DAMA DE VERMELHO

Não lembro se era loira, se tinha olhos claros, se era alta, baixa, opulenta, esguia, jovem ou madura. Era mulher atraente vestida de vermelho, com saia curta e salto muito alto, ornamentando os belos pés. Seu nome nunca foi importante, pois, afinal, sua presença era marcante para todos quantos a admiravam. Com certeza tinha sonhos e fome de vida; acima de tudo, vestia-se para seduzir, o que lhe devia dar muito prazer. Multiplicava-se em "flashes" pela cidade, colhendo galanteios, propostas calorosas e esperanças. Parece que a saga da dama de vermelho era capturar corações incautos, enquanto se preservava cautelosamente para um momento onírico, que projetava a cada conquista. Soube que se casou algumas vezes, porque era comum a todas as damas. Sofreu, amou, cometeu desatinos e gerou filhos. Teve a vida de mulher comum, mesmo com todos os instantes de glória, recheado de alegrias e desditas. Mas deixou sempre o vestido impecável no armário do quarto, tão imponente que se sobrepôs às variações da moda. Foi um velho conhecido que me falou sobre suas façanhas. Disse-me que jamais deixara de ser a célebre dama: implacável, sedutora, ousada, interessante, às vezes cruel. Fiquei um tanto espantado, porque não a conheci, apenas muito vagamente, em certa época.

“Traiçoeira”, "Vampiresca" “Despudorada”, “Egocêntrica”, "Aventureira" foram qualificativos que ela recolhera em abundância, tanto quanto aqueles de "Deusa" ou "Musa", que tanto massageiam o ego. Perguntei-lhe se não estaria exagerando em sua narrativa, mas o amigo me assegurou que até na mídia constaram registros . Eu nem conseguia mais lembrar seu rosto, mas, curiosamente, recordava alguns detalhes da indumentária "sexy" e do perfil exuberante. Enfim, concluí, a moça não devia ter sido tão má assim, talvez não tivesse sorte, fosse solitária, carente, voluntariosa e não muito bem orientada ou estivesse apenas reagindo a desencontros dolorosos sofridos. Quem garante que nossa alma gêmea tenha sido ou seja eternamente um modelo de virtude? E, pensando bem, o que é verdadeiramente este modelo? Quantas santas mamães e vovós não percorreram caminhos parecidos, eventualmente tortuosos?

Afinal, damas de vermelho reinam no mundo do faz-de-conta, mas frequentemente descem, lânguidas e esbeltas, a nichos seletos de realidade. Talvez os pobres cavalheiros tenham se arvorado em príncipes; ao se revelarem sapos, quebraram o cristal delicado da fantasia. Da mentirinha à dureza do dia-a-dia, a vaca pode ir para o brejo. Fantasia é ótimo, mas que Deus nos livre de sua tirania. Ademais, não podemos esquecer que o fluxo do tempo é implacável, carrasco insensível. Bem, vulcanicamente de vermelho, lembro da artista do filme “The Woman in Red”, ao embalo da música” I just called to say I love you”. Os bem jovens nem conhecem. Mas, enfim, devem ser mulheres diferentes, ainda que da mesma matéria combustível. Afinal, que mulher não tem um vestido vermelho arrasador e deslumbrante no armário ou na cabeça?

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 08/04/2008
Reeditado em 27/11/2018
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