NEM DOS GEMIDOS A GENTE LEMBRAVA MAIS
Estávamos a sós, depois de tantos anos tentando construir
um mundo cheio de amor.
Tudo o que tínhamos vivido já não fazia mais sentido.
Nem dos perfumes, nem dos suores, nem dos gemidos
a gente lembrava mais.
Uma amnésia de vodca barata não permitia reconhecer
os motivos de tão corriqueiro desastre afetivo.
Que tivesse um motivozinho besta qualquer pra justificar
tão cruel decadência. Mas não. Não surgia nada que indiciasse
o bandido separatista que sequestrava nosso futuro.
E a gente vivia falando de coisas esquecidas.
De amor, paixão e perdão a gente não falava.
Nem falava de sonhos, quanto mais de realidades.
É certo que havia uma parede trincada
por causa de uma estrutura mal feita em nossas emoções.
Mas nunca houve terremoto. Tudo sempre foi sorrateiro demais.
Num mundo onde ruem pontes, estádios e regimes de poder,
fatalmente também ruiria o nosso amor, engenheirado às avessas
e sem cálculos precisos.
A estrutura perigava.
A gente precisava de injeções do concreto,
mas ficava falando de coisas esquecidas.
Aí, báu-báu!
Um estrondo. Vem tudo abaixo.
Nada de desespero, mas muita, muita dor.
E três feridos. Ela, o mundo e eu.