Razões em frações

No sol do meio-dia ainda conservo as fagulhas do sono perdido na meia-noite; no quarto somente o silêncio cortado pelo hiato do miado do meu gato: tenho fome, tenho sede – fome e sede são coisas que não se resolvem, convivemos com elas. Um terço da vida passamos dormindo sobre colchões e lençóis ou sobre o chão e papelão, demandando boa parte de nossa existência ao inconsciente; se “in”, “con” ou apenas ciente, o fato é que passamos pela vida colecionando detalhes.

São retalhos de tantas coisas, que mesmo somadas ao final de tudo ainda tem a chance de serem reduzidas. Tenho uma porção de alegrias dos meus dez primeiros aniversários, quando a inocência ainda era plena. Depois disto os anos passaram a ser simplesmente o cumprimento da existência, e já se vão quase quatro décadas. E é aí que você se lembra do dia que seu Pai disse “não”. Naquele dia mais alguma coisa se quebrou, mais um caco para você guardar; ah, esses pedacinhos de 'des'ilusão...vão ajuntando e agregando vulto ao fardo. Não sabemos como jogar fora, como descartar ou reduzir à menores frações.

Lembra do dia que você amou pela primeira vez? Não falo da primeira gozada, falo do primeira vez que alguma coisa vez sentido, aquele querer de novo e de novo; naquele dia você começou acreditar que tudo vale à pena, que há fatos de grande numerador na vida e que os denominadores são comuns à todos nós, 'des'ilusão é coisa que pega tudo mundo.

Minha pia está cheia de louça suja, restos de ontem, 'des'armonizando a monotonia do lar; quero ficar aqui pensando nos meus pedaços, somando e dividindo tudo que está guardado, projetando um jeito de encontrar um numerador perfeito, um amontoado de razões que me façam sentir completo, a melhor razão para me sentir inteiro.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 08/03/2008
Código do texto: T892441