XADREZ
Crescer, evoluir, ser promovido, ganhar tempo, ir a frente, descobrir, mudar tudo, fazer valer, ser alguém, ter status, ganhar dinheiro, fazer fama, ganhar o mundo, chegar a algum lugar, pressa, pressa, corra, corra, voe se possível, envelheça, se acabe, destrua seus sonhos em busca de novos sonhos, não tenha passado, faça do presente seu passado, e viva em um futuro que sempre será também passado.
Buscamos tudo e nunca temos algo, nossa bússola aponta para lugar algum quando sim não aponta para nosso interior, direções variadas que não nos dão muitas opções de se quer pensar sobre.
As placas sempre estão vazias, dizendo sempre o que nos é conveniente. Somos apenas a fuligem de toda a operação do existir. Pintamos quadros coloridos e belos em telas cinzas e as expomos orgulhosos de feitos já desfeitos.
Corrida frenética que não tem vencedores, nem perdedores, nunca conhecemos ao certo quem é quem, o que pouco tem sabe que tanto falta para se realizar, o que muito tem, sabe, nada que dispor vai recuperar o sonho de se ter o valioso que antes nada valia. Esta é a mais valia de viver em um mundo sem parâmetros sociais, morais, espirituais, mundo este que nos vende o que acha que devemos ser, nos da tudo o que não temos opção de recusar e por fim, nos cobra o dever de casa bem feitinho. Sejamos então, peças de um xadrez listrado e desbotado, sejamos autênticos peões sem sentido, travados a andar sempre em frente, nunca recuar em beneficio de nada, e transar na diagonal, sempre em paralelos, sem retas certas e defensores em forma de parede viva de um sistema fatídico.
Mulher que pariu, que me pariu, dona de casa, corpo que gozo dentro, mulher. Homem, trabalhador, troca sonhos por migalha, vive, gera prole, mais homens trabalhadores e mais mulheres para parir, ambos não tem o que se queria, mas o que se determinou no inicio, no começo de tudo, na corrida, formaram pares paralelos com necessidades em diagonal. Somos feitos para fracassar, algo me soa bem familiar, mas consigo fazer uma analogia direta a qualquer produto industrial. Somos feitos para vencer em tempo real, não somos criados ao sucesso, o sistema precisa que pereçamos e fracassemos, que as instituições quebrem, decretem falência, que possamos então nos consumir até o fim e darmos lugar a novas gerações decadentes. Construímos casas, prédios, carros, armas, robôs, tudo aquilo que jamais precisaríamos para entender o básico, a vida. Trocamos o básico pelo complexo e inimaginavelmente grandioso. Não foi surpresa alguma descobrir que nossos arranha céus agora sem sustentação arranhassem agora a sola de nossos pés, não nos deixando cair se quer em tentação. Não paramos mais em pé com alguma estrutura própria, somos sustentados por linhas e ferragens feitas de fato, de fato algum. Vaidade sem sentido que se vai com toda nossa idade, feita em calendários diversos, com tempos, deuses, cristo e salvadores marcando inícios e fins de varias eras, mas com a ultima folha sempre igual, o estancamento da veia da vida. A queixa fica a deriva de meus pensares. Fico divagando na curta possibilidade de existir. E assim se passa a existência. Entre os que nada fazem, e não fazem sentido e não sentem o passar, esquecidos por mais alguns passares e de feitos e refeitos já corroídos e esquecidos por ninguém que fosse diferente disso, e os que sabem disso, quem pensam nisso, e debatem por isso. Que passam a pensar, e na frente, com talvez um plano de ação, se esgota nossa possibilidade de variar e inverter a roda que gira em um só sentido, enterrando corpos, sonhos, palavras e atitudes a sete palmos, para sepultar o que jamais será lembrado. Palmas aos palmos.
Aprendemos a nunca trocar o certo pelo duvidoso, sem aprender a avaliar o que é certo, e somos sim seres duvidosos, duvidamos de tudo, colocamos em duvida nossa existência ao passar em branco os melhores anos de toda nossa vida. Façamos parte de algo concreto, um amor verdadeiro, uma lição de vida, um toque real, um olhar que diz mais que cem livros, um livro que diga o que expressa o tal olhar, um segundo, uma hora, dia, ano, que seja, um suspiro que valha a navalha que corta o fio. Que seja, o que importa, é que joguemos o xadrez, que possamos ter o discernimento entre uma casa e outra, que então, sejamos piões por opção, reis por magnitude, bispos por crença, cavalos por vivacidade, que sejamos peças, mas que ao menos sejamos as que escolhermos.