Direito à vida, sim, aos vivos.

Minha mãe é católica apostólica romana devota de não sei quantas Nossas Senhoras. Houve o tempo que cheguei até a debochar de sua fé, mas também chegou o tempo de acreditar nela e hoje respeito muito, pois já tive provas suficientes do poder da fé de uma mãe. Juro que tento ficar quieto no meu canto, não entrar em assuntos polêmicos, principalmente envolvendo religião, mas não dá. Tem coisas que é preciso falar senão a gente engasga e pode até morrer. E nessa hora que a gente regurgita o que nos encomoda, olhamos para o céu e pedimos a Deus fé e corajem para encarar a pancada que vai levar. Fé, por sinal, era a única coisa com que as igrejas deveriam se meter, não é mesmo?

Nesse dois mil e oito, a campanha da fraternidade da Igreja começou defendendo fervorosamente o direito à vida, o que é legítimo e próprio de uma instituição nascida nos preceitos de amor ao próximo, de respeito ao semelhante. O direito à vida, sim, mas aos que estão vivos. Defender com todas as forças todo e qualquer ser humano que tenha sua vida ameaça, sua dignidade perdida e, principalmente, sua fé abalada – pois sem ela é difícil viver – é dever de toda a sociedade (Estado, Igreja e Cidadão); aí entra a questão cabeluda das técnicas de uso das células-tronco como uma forma possível de restituir a vida, a dignidade e trazer de volta a fé perdida. Nesse ponto a Igreja diz “meio-não” (ou seria “meio-sim” - o clero é muito complicado de entender). A Igreja diz não definitivo e irrefutável ao uso de células-tronco embrionárias, mas diz sim ao uso das células-tronco adultas. Pois bem, os estudos sobre o primeiro tipo já estão bem adiantados com resultados até certo ponto conhecidos sobre sua eficácia; sobre o segundo tipo, as pesquisas ainda são “embrionárias” (desculpem a pilhéria), com sua eficácia ainda muito questionável. Eu sinceramente não sei nada de engenharia genética, só sei de dar palpite (porque palpite, pode – assim disse nosso presidente) e para mim, se eu fosse aleijado e alguém me perguntasse: seu Paulo, para curar o senhor e poder voltar a andar podemos usar células-tronco embrionárias com 90% de chance de cura, e células-tronco adultas com 50% de cura, qual o senhor quer provar? - adivinha minha resposta?

Fica difícil de endender como a Igreja pode colocar em pé de igualdade com relação ao direito à vida dois seres tão distintos. De um lado, uma pessoa que está 'viva', respira, sente, vive suas relações com a família, amigos, que ama, que está diante de nossos olhos com os seus olhos marejados, diante do altar do Senhor pedindo uma chance de se igualar em capacidade com os demais; igualar esse ser com outro que é apenas potencial de vida, que não tem consciência de sua existência (não penso, logo não existo), que vive na ponta de um cilindro microscópico de vidro, que nunca será uma pessoa, um indivíduo formado, nunca amará, nunca saberá das coisas de Deus, ah é cruel demais; ao meu réles entender, isso não é amar ao próximo, é só “vontadinha” da Igreja – eu quero, porque quero.

Ah, se a ciência até hoje baixasse a cabeça a tudo que a Igreja proibiu e pronunciou como pecado e heresia, errado, atentado a fé, nós com certeza estaríamos acreditando ainda que o sol gira em torno da Terra, olhando para o precipício do horizonte do mar, queimando bruxas nas fogueiras e morrendo de toda sorte de doenças, pois o conhecimento sempre foi visto como uma ameaça à fé, e o que parece, a Igreja até hoje se comporta assim, temendo perder seu rebanho para os planetários e os laboratórios. Ô, seu Santo-padre, não é assim não: fé é fé e conhecimento é conhecimento, ambos podem coexistir, não precisa ser uma relação excludente. Vamos defender a vida, sim, mas dos que estão vivos e assim como a história está aí para comprovar, tudo passa nessa vida até as absolutas verdades da Igreja.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 05/03/2008
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