Somos iguais ou diferentes?

Ruiva e fios longos visivelmente sedosos, pele bem branca e olhos ocultos num ray-ban que lhe caí muito bem. Entre nós cinco metros de faixa intermitente branca e negra; calcanhares firmes em guias opostas na disciplina orquestrada pelo semáforo que deixa livre a passagem para os autos. Eu a via perfeitamente, nitidamente, alinhada do lado oposto da rua, não disfarcei não; se ela me via, eu não sei. Entre nós o frisson de carros nervosos e um sol de arder judiando nossa pele. Ah, aquela pele, tão branca e delicada, espero que devidamente protegida por um filtro solar – a minha sempre está - também sou branco e pensei que temos a mesma pele, ou teríamos peles diferentes se eu fosse negro ou ela fosse negra; somos iguais ou diferentes?

Eu sou um homem feio, ela uma linda mulher, entre nós uma faixa intermitente negra e branca, eu indo, ela voltando, ou ao contrário, depende do sentido se a direção é a mesma; enfim, o que de fato nos difere? Não tenho dinheiro, ela não sei. Com a permissão de nossos costumes ela poderia estar vestindo calças e terninho, como muitas mulheres parecem preferir – coisa que não entendo - mas ela não, ela está linda num vestido de tom claro um pouco acima do joelho, decote provocando o suficiente sem vulgaridade, e claro, salto alto; eu, sem a permissão de nossos costumes em minha calça jeans e camiseta que já virou farda; mas além disto, o que nos difere? Por baixo dos panos tenho carne, ela também, além das veias, dos suores, odor, sangue e o ritmo do coração, o que nos difere então?

Homem ou mulher, branco ou negro, velho ou moço, idiota ou gênio, hetero ou homo, rico ou pobre, ímpio ou crente, tantos rótulos, tantos dedos em ríste, porque não somente gente? Somos gente, tão somente, criando tantos artíficios que possam nos diferenciar, mas tão humanos somente. Eu, de um lado da rua suando num calorão; ela, do outro lado também não tinha perdão. O que pode um homem fazer que a mulher já não tenha feito com o mesmo primor? Que demérito há ao homem ou mulher que encontraram em seus semelhantes o ombro, o coração e o amor que tantos outros morreram sem conhecer? Que pecado cometou o ateu de não merecer o céu, o céu que nunca ninguém voltou de lá para descrever? Que culpa tem o idiota de não ter a genialidade? Que tão cegos olhos não conseguem ver a perfeita simetria entre o negro e o branco? Quem, tão soberbos e infames, se dizem ricos pisando num chão forrado de miséria?

Somos tão somente gente seguindo a disciplina inventada por nós mesmos; eu sigo meu caminho, ela segue também; abaixo de seu ray-ban vejo agora de mais perto lindos lábios, que agora sorriem, mas não sei se me vêem.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 27/02/2008
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