Senhora M.
Sentados no banco de frente de nosso condomínio, estavamos nós dois, eu e minha esposa, vendo seu filho nos seus 7 anos de pura energia a brincar, no portão de nosso condomínio uma senhora de condinome M. estava a conversar com outra senhora, bem mais nova do que ela. A conversa girava em torno de doenças de idosos e o 'trabalho' que podiam dá aos filhos.
Meia hora se passam, a visita da senhora M. se vai. Instantaneamente a mesma se volta pra gente: "Pra que viver até 80 ou 90 anos doente, dependendo dos filhos, dando trabalho a eles? É melhor morrer cedo, assim não dá trabalho para ninguém".
Me suprende, mas nem tanto, afinal muitos idosos não gostam da idéia de ficarem dependentes de outras pessoas, e isto é muito compreensivo. Mas o que mais me supreendeu foi sua vontade de conversar, sua necessidade de ser ouvida.
Minhas antenas de historiador-pesquisador se ligam. Apesar de não ser minha grande área de pesquisa me interesso imediatamente e começo a ouvir.
M. fala sem parar, emotiva, e aparentando ter muita lembrança do que falava. Sua voz por vezes é carregada, parecia ter vontade de chorar e o tempo todo dizia "um dia isto vai voltar para essa pessoa, porque Deus é justo...", ou algo parecido.
O tema central de sua fala é a história de sua vida. Como se emociona ao falar de seu filho, que com 35 anos foi morto por causa de uma intriga no transito. Segundo M. ele estava levando trabalhadores do porto, quando um outro motorista quase o pega, ele reclama da direção do outro motorista, mas logo continua sua viagem, o motorista infrator vai atrás e dispara vários tiros a queima-roupa. Seu filho falece na hora.
Mais um momento de emoção é quando fala de seus dois ex-maridos, pais de seus 17 filhos vivos, dos 22 que tiveram. O primeiro marido após anos de convivencia, M. descobre que ele o traí no momento em que ele a abandona por uma mulher muito mais nova. O segundo marido, começa com um ciume doentia após completar 80 anos. O ciume é tão grande que M. não pode chegar na porta de casa. Resultado: seus filhos conseguem tirar ela de dentro de casa, levando para morar em suas casas. Só então entendo o porquê de sua preocupação em não "incomodar seus filhos".
Tão inesperado como havia começado M. deixa se falar, se cala, e saí de 'fininho', falando que precisava ir. Fico então imaginando, após tantas coisas que nos falou, da sua história de vida, o quanto estas nobres pessoas tem para nos ensinar, o quanto que temos que aprender. Eu, por exemplo, fiquei com vontade de saber as técnicas com que ela plantava, fazia comida no forno na lenha, quando morava lá na casa de sítio....