Ponto de equilíbrio

Guardo um hábito meio bobo que trago desde de minha primeira infância – gosto de andar sobre a saliência de guias na rua (na minha terra, chamamos guia de meio-fio); Abro um pouco os braços para encontrar meu centro de gravidade e deixar a caminhada fluir sobre o fio. O corpo age em reflexos de movimentos que, institivamente, procuram seu ponto-zero. É como brincar de atirar seixos no espelho d´água: do epicentro da pertubação surge a onda que percerre toda a extenção até as margens, que de lá é refletida ao epicentro e, sucessivamente fluem e refletem até o espelho encontrar novamente seu repouso.

Seguimos, todos, assim também: somando alvorecer e crespuscular, mantendo a harmonia em nossos ambientes e nossas caminhadas – e é tudo tão delicado; Nossa percepção é que qualquer coisa é capaz de nos tirar de nossa harmonia, de nosso estado de ordem, e logo vem a pertubação. Muito embora senhores soberanos de nossa vontade, não nos armamos com capacidades ou habilidades que nos convertam o poder efetivo sobre nossos ambientes. Nossa dinâmica de recolhermos meios e escolhermos alvo, não se traduz pragmaticamente em conquista de resultados – erramos muito. Talvez haja algum método matemático que possa exprimir em números o que sentimos na pele quando o sucesso nos parece ser uma chance única, e que o estado de desordem é muito mais comum e naturalmente encontrado – nos parece ser o mais real; Natural, será isto? Não sei, mas talvez o propósito que nos rege todos os dias esteja encharcado dessa intenção – nos manter em desequilíbrio.

E você vê a água aos 99,9º graus centígrados ainda em estado líquido, mas basta que se some 0,1º de calor e ela já é vapor; Ou, no outro extremo, aos 0,1º ela está muito fria, mas líquida ainda e de repente sólida aos 0º (para ambos os casos, guardadas as devidas relações de pressão atmosférica ao nível do mar). Sempre viajo quando lembro que sou 70% feito de água – muito louca nossa simplicidade química – e acredito que carregamos esta sensibilidade às pertubações de ambiente: num dia acordamos super felizes, beijamos quem nós amamos e vamos trabalhar, até que, antes de meio-dia, o telefone toca e esse alguém nos dá a notícia que não nos beijará mais, e tudo muda; Nosso filhos voltam de suas férias, felizes e contemplativos às maravilhas da estrada, cheios de realizações ainda por vir, até que um motorista alcolizado os acerta na contra-mão, e tudo muda; Passamos a vida inteira construindo um sonho e quando acreditamos que vamos realizá-lo, alguém chega e nos diz que ainda não, ainda não temos direito, e tudo muda. Não mudamos nossas entranhas, mas podemos ser diferentes, porque o ambiente nos molda, ao menos até que tudo volte ao seu repouso.

É tudo muito delicado. Somos regidos pela desordem natural das coisas: abrindo os braços para nos mantermos no fio, fazendo silêncio para não acordarmos os outros, recolhendo todos os meios para mantermos a ordem. Essa delicada harmonia do nosso meio físico assume uma complexidade exponencialmente maior nas nossas relações, pois somos ao mesmo tempo meio e agente, somos o corpo e a gravidade, somos o espelho d'água e o seixo. Não nos cabe descobrir o próposito que nos rege; Antes disto nos cabe a consciência de que mesmo depois de acalmadas nossas águas, sempre surgirá um maluco que vai jogar um seixo bem no centro de tudo, só para ver o que acontece.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 05/02/2008
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