Cultivando um grão de mostarda

Existem muitos temas, cuja delicadeza nos sugere cuidado, que parecem ser inesgotáveis, não é mesmo? Meu amigo escreveu um e-mail (gostaria de dizer correspondência eletrônica, mas nosso português é muito prolixo para expressar algo tão simples) a respeito de um texto que escrevi há algum tempo atrás – A casa de Levi – e disse-me que nele encontrou indícios da fé. A fé – monossílabo carregado de uma semântica complexa e ainda totalmente obscura.

Uma palavra que, desde tempos imemoriáveis, vêm puxando o homem como uma guia que leva seu guiado com uma venda em seus olhos por caminhos de pedra; assume tão variadas representações: politeísmo, monoteísmo, rituais, imagens, palavras e até mesmo a guerra são usados como instrumentos de sua manifestação; E embora eu respeite profundamente todos os credos, não acredito que nenhuma delas traduz a verdade absoluta, mas eu não sou diferente do resto dos homens e também cultivo meu grão de mostarda; Prendo-me ao que, para mim, é o mais representativo: a certeza para o homem de que existe algo além do que pousa diante de seus olhos. Vou incluindo aí os ateus convíctos, pois mesmo cercados de suas melancolias e ceticismos mergulham, com muita fé, no mundo da literatura e da filosofia - as palavras nos abraçam como águas-vivas, invisíveis e letais.

Dentro de uma das maiores doutrinas do mundo, encontro o que para mim é um mantra, um dos ensinamentos mais lindos que nossa história já registrou na literatura mundial: “amar o próximo com a ti mesmo”. E é aí, nesse verbo que mora a grande charada. Sou um desconfiado por natureza e não acredito na literalidade de tudo que contém a Bíblia, a Torá, o Alcorão ou o que for, por uma razão muito simples: os apóstolos, os profetas e seus seguidores não usavam gravadores de bolso para registrar tudo que foi proferido por seus mestres, palavra por palavra. Todo o testemunho fora transmitido oralmente, ou seja, de memória, até o dia em que começaram a ser documentados e compilados; E como nossa cabeça não merece confiança, é fácil imaginar as interferências pessoais que foram feitas aos textos por seus multiplicadores, onde uma palavra pode mudar todo um entendimento. De qualquer forma, essa frase é singular, ela tem tônus. Por pior que seja a memória de alguém, uma vez ouvidas essas palavras, dificilmente alguém poderia esquecê-las - “amar o próximo como a ti mesmo”, tem o abraço das águas vivas, é letal. Plantei meu grão de mostarda nesse solo. Se todos os homens do planeta esquecem tudo que já aprenderam ou ao que foram doutrinados, e passasse a exercer esta orientação, tenho certeza que nosso mundo teria outra cara.

A receita é muito simples. Tão simples como massa de pão: respeito; Mas e a charada? Ora, ela está aí. A simplicidade de uma palavra: amar. Essa palavra vem com a força dos verbos, ela abraça sem deixar dúvidas de suas intenções. É na simplicidade das ações que mora a grande charada que nos cerca. Amar no aramaico antigo, língua de Jesus (baseado em informações que tenho, por favor é preciso confirmar isto), tem a conotação de amizade. Quando muitos ouvem essa frase, “amar o próximo como a ti mesmo”, logo vem à cabeça que é necessário passar fome para dar de comer a outrém; Passar frio para agasalhar outrém; Morrer para dar a vida a outrém; Não não, a coisa é mais simples – o grande sacrifício já foi feito. Amar é simplesmente respeitar - pessoal com mais de 30 anos aí vai lembrar daquele álbum de figurinhas, piegas, mas muito bacana: “Amar é” - é isto e pronto. Amar é o que vemos nos resultados das ações da malha de voluntariados no Brasil e o mundo: pessoas, animais e o planeta como um todo, ganham uma sobrevida graças às ações de amor. Uma malha que pesca resultados muito mais bonitos e verdadeiramente milagrosos do que qualquer igreja, sinagoga ou mesquita do mundo (guardadas as devidas exceções para alguns grupos ligados a este ou aquele templo que atua no voluntariado).

É nesse solo que eu quero cultivar minha mostarda. Uma inércia absurda ainda me prende, mas acredito que um dia ainda vou me libertar de minhas vaidades. Já tive oportunidades raras de fazer um trabalho voluntário o que me causou grande prazer e felicidade. E quando minha fé estiver do tamanho de um grão de mostarda, ah, aí eu quero ver montanhas se moverem; Não as montanhas de rochas, que lindamente estão onde devem estar, mas eu quero ver montanhas de corações moverem-se para boas ações. Seja a grande charada interpretada de forma pragmática ou dogmática, ela não perde seu valor: é o sublime da dignidade humana.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 31/01/2008
Código do texto: T840808