Café-com-leitismo

Foi sentado no banco de trás de um táxi que ouvi pela primeira vez esse neologismo. Capturei esse termo das palavras de Virgílio (não o célebre poeta de ‘Eneida’, Públio Virgílio, mas sim de um colega de trabalho, que não tem o mesmo brilhantismo para a poesia como o nobre romano de Andes, mas cuja capacidade discursiva é inegável e envolvente). Mas o que seria isso? Cafecomleitismo? - Simples, respondeu meu colega.

Para quem é da geração nascida até a década de 70 deve lembrar-se de uma expressão que as crianças usavam nas brincadeiras para isentar um amiguinho mais fraco ou às vezes até malquisto no grupo: “fulano é café com leite”. E assim prosseguia a brincadeira, sendo o fulano café com leite e nesta condição ignorado na ação da brincadeira. E o fulano estava lá, se escondendo, correndo, se esforçando para participar, mas todo mundo fingia sua participação e o deixava totalmente livre de qualquer ônus ou bônus. Vem daí então, a filosofia de meu colega de trabalho. Existem dentro das corporações aquelas pessoas que agem como café com leite, fazendo de conta que trabalham, que tomam decisões, que se envolvem, mas que na verdade fazem seu trabalho com “cafecomleitismo” profissional.

Então comecei explodir essa “brincadeira” para outras situações e não tardei a observar que o “cafecomleitismo” está presente em muitas outras situações além do mundo coorporativo. Quando o filho chega para seu pai e diz: “pai, deixa-me ir para uma festa hoje à noite, é Sábado e toda a turma do colégio vai”. O pai que nesse momento está presenciando momentos tensos do seu time de futebol na TV, responde sem nem olhar para o moleque: “pergunta para sua mãe, se ela deixar tudo bem”. Será é esse pai é um café-com-leite? Está se isentando da responsabilidade, restringindo sua ação de pai na educação do filho ao pagamento mensal da prestação do colégio?

Dia de eleição, o brasileiro vai até a urna eletrônica e com toda a sua indignação com a política nacional vota em branco para todos os cargos disputados. Para quem ele está jogando a responsabilidade de sua escolha? Será que esse eleitor também é café-com-leite? Ele não entrou na brincadeira da vida política para valer? Ele cobra as ações de seus governantes e legisladores? E por falar em legisladores, é com um toque de “cafecomleitismo” que nossas leis são elaboradas homologadas perante a cegueira da nossa justiça; Não vemos os ricos e poderosos que cometem crimes serem punidos com a mesma severidade que os miseráveis que roubam galinha para matar a fome; Leis que servem apenas para alguns, enquanto os legisladores gozam da tal imunidade parlamentar (todos cafés com leite). Quantas vezes eu fui café com leite com minha própria vida? Quando tive que escolher minha profissão e que me disseram para ser advogado, pois dá dinheiro, mas eu tinha vontade mesmo de ser veterinário. Quando gostei muito de uma menina de família mais humilde que a minha e disseram que procurasse alguém melhor, com mais futuro e deixei minha real felicidade escapar por entre os dedos. Quando tive que ter coragem para ousar e fazer coisas novas, e arriscadas claro, mas que poderiam me levar a encontrar minha realização pessoal, mas fraquejei e continuei na “segurança” medíocre de minha rotina.

Lembro das brincadeiras de criança e que algumas vezes me deixaram como café com leite, mas agora é diferente, tenho poder de decidir. A brincadeira agora é de gente grande e ficar no “cafecomleitismo” é uma opção pessoal e não uma imposição de grupo.

Domm Paulo
Enviado por Domm Paulo em 28/01/2008
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