Será que mataram o vizinho?
No dia 5 de setembro de 2023, era uma bela tarde. Eu estava na minha garagem fazendo blocos de concreto, todo trajado: sem camisa, suando, usando um par de botinas sete léguas e calção, concentrado no meu trabalho com uma pá. Foi então que parou um carro, e de lá saiu um casal de fiscais da prefeitura, me ordenando, com a maior pose, que fechasse a parede da minha quitinete, pois o vizinho estava incomodado, e foram até eles para tomar alguma providência.
A partir de então, começou um bate-boca: os fiscais queriam que eu concordasse com a construção da parede. Expliquei que a quitinete foi construída em 2005 e que, na época, eu nem era o dono da propriedade. Perguntei por que não fiscalizaram na época e exigiram a elevação da parede. O homem, um senhor baixinho, porém muito petulante, respondeu que se não fizeram a fiscalização corretamente no passado, isso não era problema dele. Ele afirmou que seu serviço seria realizado da melhor forma.
Quando eu disse que não levantaria a parede e que, se o vizinho estava incomodado, ele deveria construir o muro rente à minha parede, o homem, invocado, ameaçou-me dizendo que me processaria no Ministério Público. Ele insistiu para eu assinar um documento como prova de que estava ciente da cobrança. Recusei assinar qualquer coisa, e ele continuou pressionando. Até aquele instante, eu conversava pacificamente com ele. Mas a partir desse momento, declarei: "Estou aqui trabalhando, e vocês vieram me incomodar na minha casa. Se insistirem nesse assunto, não me responsabilizarei pelos meus atos." Foi impressionante ver como ele acatou a ordem e desapareceu num instante, como um foguete, e até hoje não voltou mais para me azucrinar.
Mas por que contar toda essa história? Recentemente, um pouco antes do meu enfarto, um vizinho faleceu de maneira semelhante. Ele trabalhava com fretes e tinha um caminhão. Possuía uma casa, mas decidiu construir outra em frente à praia. Um dia, encontrei-o todo feliz com a nova construção. Ele era um homem pontual em seus negócios, sistemático, e gostava de uma boa conversa. Tudo ia bem até aparecerem os fiscais. Estava ele em sua residência quando os fiscais da Secretaria de Obras chegaram e começaram a azucrinar, assim como fizeram comigo. Eles exigiam algo em relação à sua nova casa, que aparentava estar bem acabada.
O vizinho, angustiado com as cobranças, saiu desesperado à procura de um pedreiro. Não encontrando ninguém, perdeu a paciência e começou a cavar o buraco para a coluna exigida pelos fiscais. Pessoas que presenciaram o fato disseram que ele enfartou no momento em que estava cavando. Fiquei matutando: aqueles ordinários da secretaria tiveram uma participação na morte dele. Pessoas com vergonha na cara, sistemáticas, sérias e de palavra, não conseguem lidar com cobranças. Elas fazem de tudo para que seu direito não seja dado a outra pessoa. Quando enfrentam adversidades, buscam resolver tudo na mesma hora.
Ao ouvir a história desse vizinho e perceber que o mesmo aconteceu comigo, decidi tirar a areia da calçada em pleno calor, na tentativa de me livrar do que tanto me incomodava. Assim como ele, eu enfartei; contudo, no meu caso, o Senhor teve misericórdia de mim e poupou minha vida. Hoje, setenta e sete dias após o meu enfarto, estou aqui, quieto, aguardando o momento que Deus determinar para fazer a cirurgia de ponte de safena. Desde então, soube de muitas pessoas que morreram de enfarte: pessoas jovens, bonitas, saudáveis. A cada vez que ouço sobre a morte de alguém enfartado, escuto a voz de Deus em meu ouvido dizendo: "Está vendo? Sou Eu que tenho cuidado de ti. Você morrerá apenas quando chegar a sua hora." E logo em seguida, digo a Ele: "Muito obrigado, Senhor, por ter misericórdia da minha vida."