O NOSSO PENSAMENTO É O LUGAR ONDE HABITAMOS
Valéria A Gurgel
Essa frase curta de René Descartes "Penso, logo existo". Assegura-me a veracidade dos fatos.
Habitamos onde estão os nossos pensamentos. Somos exatamente aquilo que pensamos e acreditamos ser.
Esse é o poder de nossa mente, da nossa imaginação ou de nossas preocupações e inseguranças. Elas nos fazem crer ou descrer, nos arrastam e nos conduzem deliberadamente para outras esferas. Onde a distância que separa o corpo da mente é tão célere e sutil, que chega a ser imperceptível. Mesmo se insistimos em acreditar na efêmera possibilidade de se estar nos dois planos, compartilhando de um mesmo espaço, o físico e o quimérico.
É uma realidade muito comum, mas, não deveria ser. A transição entre as sensações físicas e as figuradas, frutos de nossas viagens no tempo, nos transformam em seres bastante superficiais, alienados, uma vez que não criamos raízes onde o corpo físico supostamente está.
Mesmo sabendo que o mundo físico, o corpóreo, o da matéria, não é mais que uma mera ilusão, nos iludimos.
O pensamento num lapso de segundos nos transporta sabe-se lá para onde, e se não nos policiarmos, nos tornamos como petecas, para lá e para cá. Corpo aqui, mente lá, e vice-versa. Raríssimas são as vezes que mantemos corpo e mente juntos. Isso se dá em conformidade com o nosso estado emocional quase sempre abalado, estressado ou deprimido, e é amiúde no cotidiano de cada um.
Poucos são os que conseguem habitar o mesmo espaço de corpo e mente em total plenitude por um dia, por algumas horas, ou minutos. Tamanha é a nossa dispersão, insatisfação, incompletude. A meditação, a respiração consciente, à medida que vamos praticando lentamente, pode nos conduzir gradativamente a esse equilíbrio. Também os seguimentos artísticos como a música, a dança, a pintura e outros mais.
Talvez essa dificuldade em possibilitar a junção dos corpos físico e mental em todos os momentos de nossas vidas justifique o porquê de tantas pessoas se sentirem vazias, fracas, infelizes, dispersas, debilitadas, insatisfeitas ou incompletas. Ainda que vivendo em um palácio, disfrutando de todas as regalias e benesses do conforto, da fartura e das riquezas materiais que acreditam possuir. Sabemos que a plenitude do ser não reside aí, e que a vida é preciosíssima e vale muito mais que todos os nossos desejos mundanos e desequilíbrios diários. A vida é efêmera demais para acreditarmos ser os donos dela.
Há quem passe boa parte de sua existência ou ela inteira vivendo do mínimo, em situações extremamente precárias. Muitas vezes até inóspitas e análogas à escravidão. E mesmo comprometendo a própria saúde, a segurança, a liberdade, aparentam estar em paz. De certa forma felizes a seu modo de ver a e aceitar a vida assim como ela lhe apresenta, em total comunhão com a suas experiências.
Seria o cúmulo da resiliência, da aceitação, ou de comodismo ou alienação? Uma forma de enganar-se ou de distrair a mente de suas próprias realidades? Como afirmar? Há mais mistérios entre o céu e a Terra e na mente humana que se pode calcular, muito mais que nossa vã filosofia de vida! Mais ou menos assim já nos dizia Willian Shakespeare.
A mente nos mente o tempo todo e entender até que ponto é salutar ouvi-la na íntegra, é crucial, para mantermos o equilíbrio entre o Ser e o Estar, durante essa nossa façanha e aventura do viver na trajetória humana.
A verdade é que independentemente de onde estivermos, se o nosso pensamento não estiver junto com o nosso corpo, nunca estaremos completos. Não habitaremos lugar nenhum em sua totalidade. Seríamos assim meros transeuntes, nômades perdidos na imensidão de nossos devaneios mentais.
Sim, sabemos que não temos residência fixa neste orbe, ainda que paguemos mil vezes um terreno, uma mesma casa, nossa verdadeira morada é em outra dimensão. Porém, entender a necessidade de buscarmos essa paz de espírito é saber concentrar e se entregar de corpo e alma, presente a cada momento vivido.
É um tremendo desfio que precisamos treinar constantemente.
Se não, não viveremos nem o aqui e nem o agora, nem o lá e muito menos o depois. Nem o passado porque ele já passou e nem o futuro porque nem sabemos se ele virá. Então, que lugar é esse que estamos vivendo? Que estado mental é esse que nutrimos? Um estado de pânico total! É o que mais vemos hoje em dia.
É cansativo essa dissensão repetitiva, pois desintegra as nossas energias, desconecta a nossa atenção. Ao nos tornamos totalmente desfragmentados entre o corpo e a mente, passamos a ser prezas fáceis do sistema. Seríamos simplesmente seres desconhecidos a nós mesmos, viajantes siderais, sem conexão com a emoção e a própria razão.
O corpo está na praia, mas a cabeça segue em casa, com os problemas do cotidiano familiar e do trabalho.
O corpo vivencia as maravilhas de um cruzeiro nas ilhas gregas, enquanto a mente segue computando a dívida contraída dos boletos a vencer, dia e noite.
Ou enquanto se espera o maldito ônibus que não vem, a mente está na Disney. E os assaltos relâmpagos não pedem licença para acontecer.
Viver é perigoso demais! E o Rosa nunca disse algo mais certeiro.
Se é para ficar, que fiquemos conscientes, por inteiro de corpo e mente. Se é para ir, que sigamos mesmo! Levando a mente junto com nosso corpo na bagagem.
Mulas sem cabeças só é interessante para nossas histórias folclóricas!
Porque o que menos importa é onde aparentemente os nossos corpos físicos estão, se a mente não estiver junto.
Enquanto os nossos pensamentos forem capazes de ser nosso verdadeiro lar, é aí que vamos estar.