SOZINHO NO BAR DE CHICO BIU

Ontem, peguei a minha moto e dei um pulo em Canafístula. Faz mais de 20 dias que não respirava aquele doce e puro ar. Vou direto para o Bar do Chico Biu, o point da minha velha galera. Por minha velha galera entenda Zé do Peixe, Meota, Natureza, Paciência e o Biu. Para minha surpresa nem Biu, que é dono do bar estava em casa.

 

Bati palmas, bati na porta, bati na janelinha do lado. Me apareceu Donana, e perguntei por Biu. Ela me falou que ele foi tirar dinheiro na cidade. Dia 30 é quando o governo paga os aposentados. Por certo, os outros também foram. Nem perguntei se eles iriam demorar muito. Claro que iriam demorar. Já viu uma fila de banco em dia de pagamento do governo? É imoral. É um teste de sobrevivência. Se eu fosse do Fantástico fazia um reality: Dia de pagamento. Aquilo vira uma guerra. Tem pessoas que vão para porta dos bancos desde as 5 da manhã, e não duvido que Biu e sua turma tenha feito isso.

 

Mas, qualquer fila de banco é melhor do que estar sozinho. A senhora de Biu, mesmo eu não querendo, abriu o bar e pediu para eu ficar de olho. Para mim não era novidade tomar conta do bar de Chico Biu. Desde quando pai era vivo e eu criança que sempre estive atrás daquele balcão. Mas, nunca o tinha visto sozinho. Era a primeira vez.

 

Quiser tomar alguma coisa, senta-se à vontade, Disse Donana. Sozinho aproveito para passar um olhar lentamente pelo ambiente. Na parede está pendurada os momentos que marcaram o bar ao longo das décadas. Ali estão o velho Wilker, tenente músico da PM. Era autodidata, tirava música até do ronco de motor de fusca. Tocou algumas vezes com Sivuca e com Hermeto Pascal. Com o Hermeto foi engraçado, porque Tenente Wilker era míope, e fazendo ele parte do grupo de Sivuca, num dos raros momentos em que os dois albinos se encontram, Wilker confundiu um com o outro e foi se apresentar com o Hermeto. Depois que já estava na terceira música é que percebeu a troca, ai só tinha uma coisa a fazer, terminar o show.

 

Ao lado, Chinha, um cego declamador do Decamerão, Iliada, Odisseia e Augusto dos Anjos. Ele não decorava mais nada, talvez a idade. Mas, se ele sabia a Odisseia decorado de trás para frente e de frente para trás e se você dissesse um verso ele completava até a noite cair, isso não é pouco para ninguém. E o mesmo ele fazia com as outras três obras. Foi pela boca de Chinha que ouvi Augusto dos Anjos pela primeira vez: “Eu, filho do carbono e do amoníaco/ monstro de luz e rutilância/ sofro desde a epigênesis da infância/ a influência má dos signo do Zodíaco.

 

Seu Basto também já partiu. Papai dizia que Basto tinha um filho que ficou louco por tanto estudar. Isso me dava medo, justamente porque eu gostava de estudar, mas não queria ficar doido. O Basto era o homem político do grupo. Sabia de cabeça e comentava os momentos importantes da história de cada governador da Paraíba desde João Tavares, que foi o homem que negociou a paz e consequentemente a fundação do que seria atualmente João Pessoa, passando pelo assassinato de João Pessoa, João Suassuna e o quase assassinato de Burity pelo governador da época, Ronaldo Cunha Lima, que morreu e não pagou por seu crime. Para ele, lembro-me, a maior esperança estava, no então deputado estadual, Ricardo Coutinho. “Esse homi ainda vai levar a Paraíba longe.” Pela misericórdia de Deus Bastos morreu antes de ver a desgraça que recaiu sobre os ombros de Ricardo.

 

Na parede, ainda entre muitos outros que não conheci por terem partido antes de eu nascer ou quando eu ainda era bastante criança, vejo dois professores Jaiton e Antônio. Dois irmãos. Um historiador e o outro matemático. Um humanista e o outro moldado pelos números, ambos contadores de histórias de virar três noites e três dias e ninguém perceber que o tempo passava.

 

Sozinho no bar de Chico Biu, olho em volta e o que vejo é que o que sou devo em grande parte àqueles homens, os que já foram e os que ainda estão por aqui. 22 anos sem meu velho pai.

 

George Barbalho
Enviado por George Barbalho em 02/08/2024
Código do texto: T8120392
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