NÃO VOLTE LÁ
Voltar pode ser um grande risco.
Há algum tempo li o livro Cemitério Maldito de Stephen King, depois também vi o filme da adaptação do livro. De forma genial Stephen criou um universo de terror com uma lógica própria e de forma impactante faz refletir sobre um fato de que o que vai não pode voltar, e se voltar não volta do jeito que era.
Não queria dar o chamado “spoiler” aqui, mas não vejo como abordar o tema sem revelar alguns acontecimentos do livro. Os personagens descobrem uma forma de fazer ressuscitar, uma mandinga feita lá em um cemitério, que faz o morto “desmortar”. Começa com um gato e depois com um ser humano. Mas quando o ser já “morrido” volta da mortandade não volta como era. Vira um ser sombrio, mergulhado nas trevas, perde a ternura a bondade, torna-se perigoso. O voltar faz com que o mal o envolva, ele fede, tem olhos faiscantes onde o terror reside, pratica atitudes violentas e nunca é do jeito que era quando vivo. Um vai, o outro vem.
Então a mensagem é, nada volta como era, tentar ressuscitar o passado, tentar viver de lembranças, tentar encaixar outro tempo no nosso tempo não funciona. Vai vir com defeito, vai ter uma névoa, uma fumaça, uma trava que impede a comunicação exata entre as duas realidades. Uma lei diz que passado e presente não se encontram. O passado morreu e ficou sepultado no cemitério ora maldito ora terno das lembranças.
Apenas o tempo presente pode ser vivido de verdade. Passado mora na imaginação. Futuro reside por lá também. Os dois envoltos nas fumaças da incerteza e da imprevisão.
Se você volta pode até tocar na fumaça, pode até sentir um pouco do que era, mas tem algo inatingível ali, a mão não alcança, as peças não se encaixam. Quebrou.
Rubem Alves dizia não cometa a tolice de visitar um lugar que amou na infância, pois terás decepção, verás desmoronar os castelos construídos, melhor ficar com aquela imagem na cabeça.
O que foi, foi, ressuscitar vai fazer vir junto a trave da irrealidade fumaça negra e sufocante e haverá uma podridão e odor fétido. Vais alcançar apenas uma parte, um suspiro espremido, uma tentativa vã de vislumbrar o que era. O ressuscitado veio quebrado. Vais constatar que os castelos desmoronaram, que o sol tem brilho opaco, que pesadas nuvens plúmbeas pairam, que flores murchas caem das hastes, uma tonalidade cinza predomina onde antes era tudo colorido e viçoso. Uma máscara torta e medonha de dor ocultará a face verdadeira dos acontecimentos.
Nunca mais será igual. Vem com defeito.
Viva o hoje que é claro verdadeiro, perfumado e único.