Recortes das férias

Na minha infância tive muitas aventuras, mas particularmente quero falar das épocas de férias em que eu saía da cidade imponente – gigante floresta de concreto, vigas e tijolos – para então espairecer minha mente na zona rural do Espírito Santo, maravilhosa Água Doce do Norte.

"- Mas a água é tão doce pra se chamar de Água Doce um município inteiro?"

De acordo com informações, o nome veio da cultura cafeeira e do costume de oferecer um cafézinho para as visitas. O ponto é que minhas aventuras se desenrolavam nos cafezais, estradas, matagais e tudo mais que o município tinha a oferecer. Eu, menino de cidade, ficava boquiaberto com todas as possibilidades, tudo era novo e diferente.

Devo também fazer citação aos amigos que fiz desde criança e que me acompanharam até uns 18 anos nesse vai e vem de férias em férias – e também algumas mudanças ocasionais que não duravam tanto. Hoje cada um seguiu seus passos, a vida nos demanda essa separação, mas levo cada um no peito e na memória. Esses meus amigos me apresentaram o mundo rural, a verdadeira infância – verdadeira pois já corria o perigo de ser extinta pelas telas dos celulares, de sorte que pude sentir um pouco do gosto das brincadeiras, dos frutos, dos rios e da terra quando caía com a cara ao chão.

Os amigos sempre se juntavam assim que eu chegava na cidade, e eu fico lisonjeado por tamanha consideração. A minha chegada anunciava a época das bagunças pela cidade. Monopolizávamos a velha pracinha e brincávamos de pique esconde por ali. Nosso pique esconde era um pouco extremo, começávamos na pracinha e terminávamos nos escondendo no povoado de Bom Destino inteiro. Uma vez alguém inventou uma “modalidade” diferente da brincadeira, chamaram-na de “pique clet” – uma mistura meio errada do termo pique-esconde com bicicleta, mas quem ligava para erros de português? O importante eram as regras renovadas do nosso tratado anual que agora era composto por mais uma atração; e seguia-se assim: semelhante ao pique esconde, existe o que procura e os que se escondem. Nesse caso, no “pique clet”, dois procuravam, e ao invés de contar normalmente, pegavam duas bicicletas e davam a volta rua acima. A volta era a contagem fornecida para a elaboração do esconderijo super secreto e inviolável. Quando as bicicletas chegavam, começava a caçada. Para que um “escondedor” se livrasse da terrível vez de contar, ele deveria correr em direção a bicicleta, encostar nela e gritar “Pique dois três” e seu nome.

Ô tempinho bom aquele. Também tínhamos os infames “clubinhos” que quase nunca duravam tempo considerável. Acho que crianças também demandam de alguma privacidade, então juntávamos um monte de madeira e folha de bananeira para criar um espaço privado do qual nunca sabíamos o que fazer. A ideia era nos reunirmos ali e comer algumas coisas enquanto conversávamos, mas os clubinhos não passavam de um dia, pois no outro já estava destruído pelo vento ou algum cachorro estabanado que passara pelo mato derrubando todo nosso palácio magnífico – de folhas secas e madeira podre.

Eu ficava na casa de minha avó durante estas férias, e esta casa ficava em frente uma escola. Confesso, a escola de Bom Destino sempre foi-me um lugar desconhecido envolto a algum mistério – afinal, eu ouvia várias histórias, mas não vivia estas mesmas. Durante a noite, o terreno da escola virava local de esconderijo para nosso pique esconde e “pique clet”. Durante o dia, subíamos os muros da escola por pura diversão. Lá existiam alguns pés de goiaba do qual passávamos várias horas trepados como macacos e conversando. Apesar de eu ser moleque de cidade, as férias me conferiram alguma habilidade em subir em árvores, de forma que raramente tinha dificuldades extremas. Esse assunto me recorda um causo específico que assustou vários de nós.

No mesmo terreno de escola, mais ao fundo, existe um pé de jambo um tanto alto. Em algum dia, nos deu na cabeça que deveríamos subir lá. O pé de jambo não era tão interessante como os de goiaba pois era afastado da rua – enquanto que os pés de goiaba ficavam ao lado do muro, conferindo assim uma visão que toda fofoqueira do bairro invejaria.

Lá se foi a molecada subir o pé de jambo. Lembro-me que esta foi uma das vezes em que senti mais medo da descida, os primeiros galhos em que sentávamos eram altos. A meninada comendo jambo até se empanturrar estava totalmente despreocupada. Todos conversando sobre assuntos que sequer me lembro do que tratavam, apenas me lembro da súbita sequência barulho, vulto e barulho. Aconteceu o mais temível, um dos garotos caiu. Era o garoto mais “espoleta”, subia como um alpinista, o problema é que se esqueceu que seu peso era mais do que os pobres galhos finos poderiam aguentar…

Foi um desespero sem fim, pensamos que o garoto havia morrido. Por um instante, o olhar de todos se cruzava e um pensamento pairava:

"- E agora? Que vamos falar para a mãe dele!?"

O medo parou de súbito quando o espoleta do menino começou a rir lá embaixo como se nada tivesse ocorrido. Benditas férias...

De certo tenho muitas histórias para relatar sobre minhas férias, mas deixarei para as próximas crônicas, nesta não me considero tão inspirado para o ofício de escrita, afinal, revivi o momento de quase morte do menino espoleta que sobreviveu a queda mas matou a continuação de minha crônica!

~20 de Junho de 2024