Árvore genealógica
Este com certeza não é assunto que o leitor entre tanto em questão, e se faz o mesmo para comigo; mas pensando sobre isto agora, consigo estabelecer algumas reflexões sobre a vida e sobre opiniões que vamos construindo ao decorrer de nossa tão longa – por vezes curta para alguns, infelizmente – estrada da qual seguimos.
A árvore genealógica profundamente me joga como um peão a rodopiar por pensamentos. Primeira questão que vejo-me abordando – e talvez a questão central desta crônica – é a quem devemos algo. É de praxe que nós, seres humanos, ignorantes e egocêntricos que somos, estabeleçamos que não devemos nada a ninguém. Nossa vida e nossas escolhas só dizem respeito a nós mesmos – é o que muitos dirão. Mas, ao caro leitor e bom amigo, eu devo profundamente dizer que me pego ao discordar destas sentenças.
Observe bem sua vida, meu bom amigo. Você não chegou aqui sozinho. Durante toda sua meninice – desde a fase da qual nem sabia pronunciar um “a” – tu fostes sustentado por alguém! Se ambos teus pai e mãe não tivessem se conhecido, tu jamais seria gerado. Se teus pais não tivessem tido o benigno esforço e gastos exorbitantes em cuidar da sua pessoa que era completamente inútil em seus primeiros ano, tu sequer estaria aqui lendo estas coisas. Então nunca exclame “- Não devo nada a ninguém!” pois em teu âmago, deve, e muito. Em vida, cada um nasce devendo aos agiotas amorosos que são estes seres dos quais chamamos carinhosamente de pai e mãe. Portanto, tu tem débitos a serem pagos, teu futuro e escolhas não são e nem devem respeito somente a ti, mas também a estes. O “Honrar pai e mãe” da qual a Bíblia se refere não diz apenas ao respeito e reverência que deve-lhes prestar, mais o teu honrar com o futuro e vida; te esforces e seja alguém. Se não vê luz ao final do túnel escuro que é a vida, e encontra-te sem motivação, pois que tua motivação seja esta, bom amigo meu.
Mais profundamente, observemos que este respeito ao qual devemos vai além de nossos pais, e aí entra o cerne da questão: devemos a toda uma árvore genealógica. Pare para pensar por um instante que te é precioso e se coloque a rica reflexão de quantos necessitaram para que você, bom amigo, esteja aqui. Foi uma longa viagem, e hoje são tempos ditos fáceis comparados aos antigos – e com plena razão se olharmos de forma superficial. Ao olhar para trás, não vemos apenas nosso passado, mas também o passado de tantos outros em nossa grandíssima árvore genealógica.
Não, meu bom amigo, tu não deves prevalecer porque TU sofrestes no passado, pois o causo vai mais além. Tu deves prevalecer por todos os outros – teus antecessores de caminhada – que vieram antes, e que sofreram tanto quanto, senão muito mais que ti.
Talvez minha reflexão tenha soado como um sermão que – como todos os sermões – tu não gostaria de ouvir, ou ler neste caso. Mas digo estas coisas de profundo coração para seja lá quem estiver lendo. Não coloquei estas palavras para fora por maldade, mas por pura bondade, pois os tempos ditos fáceis em que nos encontramos hoje, são na sua mais oculta face, traiçoeiros. Em meio a tantos conselhos que nomeio “preguiçosos” – dizem somente o que os alienados querem ouvir, para assim amaciar o ego e adestrar a consciência – deve ser dita a verdade. Nossa vida não é somente nossa, e não devemos respeito somente a nós. O falhar de nossas vidas é o jogar fora a jornada de diversas gerações passadas. A nossa queda é como igualar a lixo todas as crenças e esperanças que foram depositadas em nós.
Então, como fim desta crônica, digo: não desanimemos, e não sejamos egoístas; existe mais em jogo do que nossos olhos podem ver, e do que nossa consciência quer acreditar. Não estamos sozinhos, não é apenas “eu”, nem nunca foi. Honremos toda nossa árvore genealógica.
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23 de Junho de 2024