Memórias literárias
Lendo um pouco as obras do nosso saudoso Machado de Assis, me peguei nas lembranças de como os livros sempre me pareceram algo mágico, meio distante, até nobre. Em minha tenra idade, olhava para os livros como se fossem monumentos, e como viria a constatar mais tarde, realmente eram – monumentos da memória humana, mesmo que muitas vezes ficcionais. Meu começo com os livros não foi lá tão amigável, ter os mesmos não era um costume estabelecido em minha família. Dos que fui lendo, a maioria se tratava de livros mais acadêmicos, incluindo algumas enciclopédias que meu pai ganhara de seu patrão. Por falar em enciclopédias, eu viajava naquelas coloridas e enormes páginas preenchidas grandemente com diversas informações.
Lembro-me que, as que possuía em casa variavam entre os temas. Existiam as de história, de tecnologia, e pelos fragmentos que me restam, também havia uma de animais. Nunca fui tão puxado à de animais, ao contrário das de tecnologia e história. Naquela época eu amava desmantelar meus brinquedos para descobrir o “coração” daquilo que os fazia funcionar, sendo assim, tomei alguns sermões, mas aquela curiosidade também gerava alguma esperança de que futuramente eu seria um inventor ou cientista – até agora não sou nenhum dos dois, como pode constatar, acredito que aquilo era indício de criatividade. Minha curiosidade para com a tecnologia não parava nos pobres brinquedos que me serviam de pacientes, ela também se estendia à computação, sempre estive muito envolto naquilo. Tive o claro privilégio de possuir acesso aos computadores desde sempre, de maneira que pude ver sua evolução, pelo menos desde meados de 2005 onde já tinha alguma consciência suficiente para compreender minimamente meus arredores. A enciclopédia de tecnologia era um belíssimo apanhado da evolução geral, possuindo informações bem amplas, passando por computação, mecatrônica, robótica, entre outros assuntos. Consigo recordar-me das páginas que falavam sobre a “World Wide Web” tratando-a como o assunto do momento. Até para aquela época, já era um assunto meio desatualizado.
Também amava a enciclopédia de história, sempre gostei de arqueologia. Aquela enciclopédia também era um apanhado geral, dessa vez para com os assuntos relacionados à história, especificamente civilizações antigas. Aquilo me remetia aos fascínios que possuía pelos episódios que faziam referência ao Egito ou às civilizações incas e maias no desenho animado “Scooby Doo”. Particularmente, eu me interessava muito pelo Egito, a ideia de pirâmides e múmias eram um assunto envolto em muito mistério, coisa que me rendia muito tempo de leitura percorrendo as páginas. Gostava de observar as fotos de estátuas e ferramentas da antiguidade, me sentia um legítimo arqueólogo numa aventura. Futuramente viria a não cogitar uma faculdade de história, pois não me via sendo um professor lecionando a matéria, preferia aquilo como um hobby, o que foi diferente com a tecnologia.
Mas não apenas de enciclopédias se fez minha infância. Não tinha acesso à bibliotecas, então, quando queria algo diferente, aproveitava as horas de leitura da pré-escola. Frequentei uma escola particular que exercitava seus alunos com atividades adicionais – as aulas de computação numa época onde os computadores não eram tão acessíveis se faziam um diferencial. Posso me recordar de alguns pedaços da memória em que a professora jogava vários livros ao chão e os alunos podiam escolher. Era uma literatura infantil, portanto os livros possuíam muitas imagens, o que não é uma coisa ruim para esse âmbito. Outra vez, tive a sorte de ganhar um livro com efeitos que “saltavam” das páginas através de seus mecanismos de papel. Óbvio, com minha curiosidade toda, aquele livro não durou tanto, eu tinha que fuçar para descobrir como funcionavam os mecanismos que permitiam os movimentos.
Um pouco mais tarde, fui ter a oportunidade do acesso à uma banca de revistas. Essa banca marcou minha infância, ficava em Vila Velha, num caminho para Boa Vista. Ali, enquanto iria quase todo domingo comprar as revistas Recreio que vinham com brinquedos (que eram caras na época, diga-se de passagem) sempre percorria as estantes da banca. O dono tinha certo costume comigo, de forma que sempre me permitia entrar lá dentro para escolher o que queria comprar – quem não se agradava com a história era meu pai, pois aquilo me permitia escolher várias coisas para levar. Eu, não sendo bobo, aproveitava para pousar e ler alguns gibis da Turma da Mônica, coisa que virou certo costume comprar. Explorando mais um pouco, achava também uns livros, não me recordo muito bem quais, porém já eram velhos, apesar de que isso os dava um certo charme em minha concepção. As páginas amareladas e capas gastas me faziam imaginar quantos anos aqueles exemplares teriam, e isso soava como um “tesouro antigo”. É possível ter a noção do quanto fui uma criança imaginativa.
Hoje em dia, confesso que as bibliotecas ainda não me são tão acessíveis. Atualmente, onde me encontro residindo, zona rural do Espírito Santo, percebo os problemas na divulgação literária do estado. Mas também preciso ter a realidade em mente de que este lugar já possuíra uma pequena biblioteca que acabou por não render, problema oriundo da falta de interesse do povo moderno. Como um todo, vejo um problema geral na nação, e fico profundamente triste constatando isto. A literatura moldou o Brasil por muito tempo, e moldou também a vida dos brasileiros. Diversos poetas, cronistas, escritores em geral, fizeram a cultura do Brasil, exploraram sua história e seu folclore. Enxergo como o problema e desafio atual, a volta da literatura. Livros fazem o povo pensar, a escrita traz maturidade ao pensamento.
13 de Junho de 2024
Marcelo Di Gabriel