A vida em um piscar de olhos: Os lutos que ela me trouxe, permanecem.
A vida é algo que acontece do nada e é algo que também termina como começou. Em um momento você cresce com uma pessoa, convive com ela e com o amor e a amizade e no outro está vendo ela morrer e você não pode fazer nada.
A primeira dor eu não lembro tanto, pois era pequena demais, mas lembro que arranhei os braços do meu pai, quebrei as coisas em casa e me machuquei por querer sair para a volta do meu tio morto no caixão. Tinha ótimas lembranças dele, brincávamos tanto e ele me entendia mais do que ninguém. Não sei se o tempo ameniza dor, mas quando ouço o DVD que ele gostava, sinto uma dor - comparada as outras que veio na minha vida - leve... Mas que também arregaça algo dentro de mim ainda e a vontade de chorar vem, mas passa da mesma forma.
No ensino médio, há oito ou nove anos, conheci uma garota igual a mim, digo isso porque ela era baixinha, todo mundo zoava ela por ser feia, e era inteligente. Bem, era isso que todos falavam, mas eu me sentia nela e ficamos amigas. Não sei falar muito dela, pois não convivi tanto, somente nas aulas vagas da escola porque ela era amiga de classe do meu irmão. Há sete anos mais ou menos a encontrei no Facebook e ficamos conversando, mas alguma coisa naquela conversa me parecia estranho. No mesmo dia a noite seu irmão me falou da morte dela em 2018, meu chão caiu na mesma hora, por um momento eu jurava estar falando com ela, mas que, na verdade, era a irmã mais nova dela. O meu chão caiu de forma tão intensa que não pude falar pelo resto das três horas que fiquei ainda, na casa de meu irmão. Se eu abrisse um pouco minha voz, viria embargada e não conseguiria parar de chorar, eu me segurei para não desabar o sofrimento perto dele, porque a final, ele era mais íntimo dela. Cheguei em casa e falei tudo para ele, no outro dia que fui lá, ele me olhou com olhos vazios e eu reconheci, também fiquei calada, não tinha muito o que dizer; só doía muito. Até hoje, quando tocamos no nome dela, vem memórias boas e rimos, mas um milésimo de segundo depois nos falamos e olhamos um para o outro com olhos vazios, da mesma forma que nos olhamos no outro dia após eu ter contado da morte. E é sempre assim...
Já faz um ano e pouquinho que meu avô se foi, mas vejo ele nos meus escritos, nos raros momentos que vou na minha avó, pois não gosto de lembrar dele quando estou lá. Parece maldição. É uma dor que não desejo a ninguém. Fico pensando se a dor da perca do vô foi assim, não quero nem saber como seria perder meu pai, minha mãe, meu marido, ou pior... Minha filha. Acho que eu morreria. A dor da perda dele me consumiu no momento que minha irmã chegou para mim e falou" o vô viajou" nesse momento eu não sabia o que ela tinha dito no certo, porque no tempo em que meu tio morreu, ela também falou isso e marcou minha vida. Perguntei em seco "para onde?" E ela respondeu "... Ele morreu hoje" a dor aí me consumiu mais ainda e deitei de uma forma enrolada como se alguém tivesse comendo por dentro as minhas entranhas e ainda sinto isso, mais forte que antes.
Cada dor é única? Talvez, mas continua sendo dor. É inconfundível! Perder o vô foi uma dor que sinto queimando até hoje no meu coração, na minha mente, na minha vida, não sei o que faria se perdesse outro alguém e o pior é quando alguém próximo seu chega com uma notícia dessas, é de bastante porque, ao mesmo tempo que eu sei falar disso, a garganta tranca e o silêncio permanece.
Quando a tia do meu marido ligou na tarde daquele dia, confesso que achei estranho, pois o dia já estava estranho suficiente e do nada ela solta um "teteu, o Danilo morreu" aquilo foi como se alguém tivesse cavado um buraco bem fundo no chão da minha casa e eu tivesse caindo eternamente enquanto ouvia o ecoo da ligação. Nesse dia foi terrível porque não foi só o meu marido que sentiu, foi a tia dele, a outra tia dele, e principalmente a vó. Eu sofri vendo eles sofrerem, mas tirando isso, não senti nada e me culpei por isso. Era para eu sentir? Mal o conhecia...
Muitas vezes me vem a sensação de estar sozinha e FICAR sozinha por um motivo um tanto velho: não sentir nada por ninguém, não conhecer ninguém e não pegar carinho e afeto por mais nenhuma pessoa, porque quando se vai o buraco fica, e nada preenche. Eu me senti mal por não sentir aquele luto, e também já faz um ano que Danilo se foi, ele era tio do meu marido.
Agora, quando tudo aparenta estar bem, a vida me deu um tapa mesmo na hora que acordei e vi aquela mensagem. Não sei se fiz o certo mandando aquelas palavras e, por outro lado, queria poder fazer mais; é nesse momento que eu me sinto uma completa inútil por estar distante e só a presença anula isso, mas o luto nada anula, e sinto que devo dar espaço para senti-lo assim como provei várias vezes e de formas totalmente diferentes, diferentes e doloridas.
O dia está estranho, como em todas às vezes que perdi alguém, mas hoje não fui eu que perdi. O tempo sente, mesmo estando a milha de distância, ele sente e eu também, eu sinto muito.