O RELÓGIO DO VOVÔ

Ele sempre nos atendia com maior carinho...

Hoje um primo me mostrou o relógio do meu avô. Um velho Omega de bolso com uma corrente para pendurar na alcinha da calça. Está estragado, cansou de trabalhar de graça e na batalha contra o tempo perdeu dois ponteiros. Onde será que o grandão dos minutos e o pequenininho dos segundos fazem tic tac agora? Achei que essa relíquia dos tempos de minha infância havia se perdido, nem estivesse mais na família. Fiquei muito contente. Fez-me voltar a eras de ouro da meninice. Lembro-me do velho Seu Joaquim, senhor calmo, simpático de olhar sereno, e falar manso, lá no terreiro da casinha branca fazendo algum serviço, ou então em sua mesa da sala onde gostava de tamborilar com os dedos. Eu me aproximava e perguntava:

– Vovô, quantas horas? – Eu não queria saber as horas, nem tinha compromisso marcado. O único compromisso da minha agenda era brincar pelos terreiros, rolar na terra vermelha e abraçar a vida, perguntava apenas pelo prazer de vê-lo elegantemente tirar o grande Omega do bolsinho de sua calça preta de riscas brancas, sempre no estilo social, ver o objeto grande de cor prata chumbo com mostrador branco reluzir sob a claridade do dia e depois com olhos atentos conferir para onde os ponteiros grandes e prateados apontavam, então em sua voz mansa e serena informar horas e minutos, depois guardar-lo no bolso e continuar sua rotina.

Àquela época aquele já era um objeto que remontava o passado, e embora marcasse o tempo o relógio era de uma era onde tudo era calma, a vida caminhava mais devagar com mais formalidade e requinte. Onde a pressa não imperava, afinal de contas podia-se dispor de algum tempinho (marcados nos ponteiros dos segundos no pequeno reloginho dentro do relógio grande) para calmamente retirar o objeto do bolso e depois devolvê-lo. O imediatamente e a pressa não eram os ditadores que hoje são.

Depois de algum tempo eu perguntava novamente as horas, para ver se repetir aquele ritual de elegância e charme e sentir também a atenção que ele tinha comigo e com todos.

Enquanto escrevo esse texto o relógio está aqui bem à minha frente. É testemunha de que os ponteiros da existência giraram, a infância se foi, a vida seguiu entre muitas 12 e 24, o mostrador está arranhado, escuro, sujo, a tampa e a corrente oxidadas e uma crosta de nunca mais formou-se sobre ele. Fico imaginando como seria bom se pudesse girar o ponteiro solitário e então magicamente voltar.

Ponteiros aqui dentro de mim marcam tempo de saudade e de lembranças.

– Me responda leitor, por favor, que horas são?