MOSQUITOS ME MORDAM!
Tudo começou com um leve tapinha nas costas. Matei o mosquito que me sorvia o sangue e abri um inocente sorriso de alívio e satisfação.
Ouvi, então, aquele zumbindo ligeiro e cruel:
- ....zzzZZZZzzzZzzz...-
Outro mosquito!!!
Semicerrei os olhos como um soldado perdido em floresta inimiga e me coloquei em posição de combate!
Mirei bem para não errar. Concentrei-me em seu modo bêbado de voar e, com um rápido movimento, assassinei o inseto. Abri outro sorriso. Mas já não era inocente. Era um sorriso maldoso. Como os daquelas criancinhas que acabam de ter uma idéia mirabolante.
Senti um imenso prazer. Uma profunda satisfação de acabar com a raça daquele monstrinho incômodo!
Então minha noite mudou. Esqueci a cama e o sono e comecei a procurar os mosquitos. No começo eu queria apenas matar todos do quarto e ir dormir. Mas não demorou para se tornar uma obsessão! Matei todos em questão de segundos e estava ficando muito bom nisso!
Abri a janela, a porta do quarto, e acendi todas as luzes: do teto, do abajur, da lanterna, do monitor, do celular! Queria mais e mais mosquitos! Queria saciar minha fúria assassina! Eles entraram. Eu estava preparado!
Era uma verdadeira Guerra! Eu contra os mosquitos... E eles sem ter a mínima idéia do que estava acontecendo! Já tinha quebrado três enfeites de mesa: um lampião de barro, Belchior e Balthazar. Nem os Reis Magos foram perdoados! Só Gaspar resistia firme! Mas e daí? Eu estava acabando com eles! Matava-os das mais variadas formas: com o chinelo, com o lençol, com as mãos, com os pés, com o cotovelo, com os dentes, com Gaspar (e lá se foi o último Rei Mago!). Por um momento tive a impressão que José e Maria bateriam em retirada do presépio com o menino Jesus...
A certa hora (talvez umas duas horas depois do início do ação sanguinária) os mosquitos acabaram. Não entrava mais nenhum no quarto! Não sei se assassinei a colônia brasileira inteira ou se eles me consideraram uma real ameaça à extinção de sua raça!
Eu estava suado e muito cansado. Mal conseguia levantar meus braços. Mas estava completamente saciado! Com uma sensação única de dever cumprido!
Junto com os mosquitos triturei todas as raivas e angústias que tinha pelos anos de convivência com o meu chefe e com o vizinho (que tentava aprender as seis primeiras notas de “What a Wonderful World”, no sax, a nada menos que dois anos!).
O quarto estava de cabeça para baixo. Confesso que me empolguei um pouco. Eram tantos mosquitos que eu precisei juntar três vezes na pá. Em matéria de genocídio, naquela noite, eu estava bem pior que o Führer.
Dormi como um bebê que acaba de amamentar pela primeira vez...
Acordei no dia seguinte, ainda no meio daquela zona. Um pouco atrasado para o trabalho, tomei um banho rápido, me troquei e fui direto à padaria em frente ao meu prédio. Coloquei minhas coisas no balcão, ao lado do potinho de açúcar. Pedi um café expresso e, enquanto esperava, senti algo subindo em minha mão.
Dei um leve tapinha em minha mão, matando a formiga que ali passeava. Abri um inocente sorriso de alívio e satisfação.
Senti então algo subindo pelo meu pescoço.
Outra formiga!!!
Semicerrei os olhos como um soldado perdido em floresta inimiga, me coloquei em posição de combate, e tudo começou mais uma vez...
(07/01/08)