A escolha de Deus

O princípio e o fim se encontram, se abraçam, se completam. O menino está no colo do velho, seguro, protegido. O velho carrega o menino como quem carrega um bem precioso. O menino é um bem precioso. É o princípio da vida. É a vida. Tanta ternura nesse quadro. Tanta delicadeza. A fragilidade da infância, a proteção dos braços fortes, experientes, da velhice.

Pense em José carregando Jesus. Os braços de operário, um carpinteiro, protegendo aquele menino pequeno, fraco – Deus feito homem, mas ainda criança, que o pai protege como um bem precioso. Um bem muito precioso. Pense em Cristóvão carregando nos ombros o Cristo menino, tão pequenino, mas como pesa! O menino tem o mundo nos ombros. Por isso Cristóvão sucumbe ao seu peso: o menino, que o velho barqueiro não sabia que era Deus, carregava o mundo nos ombros. Todo menino carrega o mundo nos ombros.

É o retrato do Brasil, esse quadro. É lindo. O branco e o negro se misturam. O branco vem do negro, é protegido pelo negro, é uma continuação desse negro. Esse velho está feliz porque tem esse menino fraquinho nos braços. Esse menino tem confiança nesses braços fortes que o seguram. Esse menino, qualquer menino, antes mesmo de sair do ventre da mãe, em toda a sua fragilidade diante da vida, é a melhor resposta que essa mesma vida pode nos dar. Por que vivo? Por que sofro? De onde vim? Por que a morte? Para onde vou? Não preciso de nenhuma filosofia complicada para me responder: basta um menino. O nascimento de um menino é um milagre. Deus existe porque esse menino existe. É tanta beleza, tanta simbologia na presença de um menino, que nela se concentra toda a razão da existência. Na presença do menino se concentra Deus.

O povo judeu, depois de quatrocentos anos de escravidão no Egito, vagueou mais quarenta anos no deserto até que tomasse consciência de Deus, que lhe dá um ultimato: continuar cultuando os deuses do cativeiro e perecer com eles, ou escolher a vida e sobreviver. “Escolhe, pois, a vida” (Deut. 30, 19). A vida é Deus. Por isso não temos o direito de permanecermos na cultura da morte, contra Deus, que é a vida. A cultura da morte é o consumismo desenfreado, sem prioridade, escravizando-nos ao dinheiro, ao supérfluo, ao luxo, ao prazer, à satisfação dos sentidos. É esquecermo-nos de que somos, primeiro, espírito. A carne perece, o espírito vai para Deus. Gozar a vida, sim, até o ponto em que não a desperdicemos. E até o ponto em que não desperdicemos a vida do outro.

A cultura da morte são as drogas, a violência, a fome, os doentes sem assistência médica. A cultura da morte é desprezar a água, o ar que respiramos, a terra que é o nosso domicílio. A cultura da morte é o aborto, como se, porque somos donos do nosso corpo, tivéssemos o direito de assassinar um ser indefeso. A cultura da morte é o sexo pelo sexo, sem a educação de nossa afetividade, sem aprendermos que o nosso amor não vale nada se não se dirige ao outro.

Se não tenho um amor que busca o outro, meu irmão, é como se eu quisesse exterminá-lo. É como se eu escolhesse a morte, e não a vida. Lembre-se do velho e do menino, símbolos da vida. Se não trabalho pelo meu irmão, não estou escolhendo Deus, que é a vida. Quem é seu patrão, Deus ou os deuses que a sociedade lhe oferece? Você escolhe Deus ou a morte? Em nome do seu Eu, você quer matar Deus?