A tola seriedade - BVIW
Nunca entendi porque Roberto dizia tolices se lia tanto. Clássicos, nacionais e internacionais, enchiam sua estante. Fazia questão de dizer que, quando começava a ler um autor, ia livro por livro, até dominar aquela literatura.
Quem o conhecia relutava em aceitar que aquele que dizia a primeira coisa que vinha à mente era mesmo um leitor voraz. No trabalho ou na rua, o pensamento dele se expressava mais rápido do que a razão. Atropelava qualquer raciocínio.
Depois de umas férias, Roberto mudou. Passou a ser um homem sério. Tão compenetrado que nós, amigos desde o colégio, passamos a nos sentir deslocados. Ele não dizia mais as mesmas tolices que ríamos às escondidas.
Queria saber o que estava acontecendo. Marquei um café na casa dele com a desculpa de falar de mudanças no trabalho. Na mesa dele, ao invés de livros, pela primeira vez vi cadernos. Pilhas deles. Roberto percebeu meu olhar curioso.
- Agora sou homem sério. Ler o dos outros é mole. Me deixava leve, só escorregando nas palavras, sem responsabilidade. Agora sou escritor, e é séria a face da escrita.