QUANDO ANOITECE
QUANDO ANOITECE
(04/2020 Ecos da Pandemia)
Os sanhaços e as cambaxirras já foram dormir, deixando o fim do banquete de caquis para os morcegos, sob o olhar da coruja branca.
A poltrona se ajeita para me abraçar, gentileza bem vinda em tempos de isolamento, de ausência da algazarra de netos, e das fisionomias tensas e apressadas dos jovens adultos da família.
O silêncio é quebrado por alguém que canta na varanda, dando parabéns a um vizinho ao qual sequer dava bom dia quando se cruzavam na portaria.i
Finda sua live de boa vizinhança chega a hora das panelas que batem sem qualquer compasso, na verdade um descompasso da batida do coração, aquele do amor, acompanhadas de gritos de guerra sem arte, sem vitórias.
A palavra da moda, pandemia, enumera e faz gráfico da vida e da morte, como se nenhuma outra linha existisse.
A inversão crônica de valores, que sempre desvalorizou a vida em benefício dos números, determina a ordem de grandeza que enfileira as pessoas em grupos separando os que podem, os que não podem, e os que vivem da eterna necessidade
O ar que se rarefaz, faz da máquina a necessidade de alguns se esvair no oportunismo de outros, aqueles mesmos outros de antes.
Uma estátua patriota veste uniforme e as demais tem seus rostos cobertos, mas estes são panos destinados a cair, se esfiapar, quando os ventos do outono desfolharem a árvore.
Sem caquis, sanhaços e cambaxirras voarão para outros banquetes levando seus cantos e os cantos das varandas, calando o bom dia.
Sem caquis, os morcegos encontrarão outros cabides para usar como galhos e seus vôos descompassados não encontrarão mais os ecos das panelas vazias.
Sementes serão espalhadas.
Observadas
do galho mais alto
pela Filósofa da noite