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Um Ser tão comovente

 

Desafios das chegadas e partidas entre Minas e Bahia, vivencio-os atualmente. Assim vejo a Bahia:  a lua chamengando o mar de Caymmi,  o valsar das ondas sob a proteção de Iemanjá, cores e  tambores do Olodum com suas sonoridades inconfundíveis,  o gingado da resistência de uma roda de capoeira .  O banhar-se na Baía de Todos os Santos, acariciada pela brisa de um amor sem filtro, a contemplação da pracinha abraçada por flores e seus banquinhos multicores, juntinhos dos passarinhos desconfiados. Minas está entranhada na alma:  é chão  sólido, saudade serena  de pai e mãe, é beijo e abraço de filhos, aconchego da família e dos amigos, é sentir-se acolhida pelas montanhas misteriosas a se perderem num Belo Horizonte com suas tardes aromatizadas de nossos pães de queijo quentinhos. É também a terra do suntuoso mestre das letras, Agripa Vasconcelos, corresponsável do  meu desejo em  compartilhar a sabedoria  destes  seres tão sábios que a mim muito me comovem. A admiração foi tamanha e aqui estou no Recanto, após quase dois anos de minha última postagem. 

Disse Agripa em sua obra "São Chico"que os viajantes de Inajá, cidade pernambucana, haviam caminhado umas braças. O homem depôs sua carga e com a enxada em golpes secos, com fúria, alargou uma cava já existente. De repente se deteve, puxando a comadre-cabra para perto e ela sedenta, abaixou a cabeça no cavado, ajustando a boca na areia. Chupava a umidade, agora marejada - só então a velha abriu toalha fina sobre o fundo do poço, e deitada no chão, fez como a cabra, chupando a água apenas a marejar. Em seguida as  crianças e o velho, deitados cada um por sua vez. A cabra é que dá leite a todos, tem preferência - sertanejo é homem amigo, respeitoso.

E como não se comover com o cavalo ventania?

(...)

"Apareceu um homem grisalho, de face acobreada, com os olhos vermelhos. Interrogaram-lhe se havia acontecido uma desgraça:

-Aconteceu moço, cobra picou meu cavalo Ventania. Perdi o meu ganha pão e é como se fosse pessoa da família.

-Mas foi cobra?

-Sim senhor, Cascabulho.

-Ele foi criado na cuia, na minha mão. Esse cavalinho posso falar que conversava."

Ventania foi enterrado  honrosamente sob o pé de juazeiro e com uma bela cravina na testa - mimo  de criança!

Ouço os acordes dos pingos d'água sobre  telhas  e das goteiras deslizando-se pelas latas. Aprecio na tela a delicadeza da aquarela:   lábios sorrindo com os cavalos que se empinam  , vacas magras e  jegues desengonçados arriscando seus pinotes. Sob as gotas cristalinas há o aconchego dos abraços, as danças nas calçadas e crianças  patinando nas enxurradas encantadas.

Se acolá,  Carlos Drummond de Andrade estivesse , presumo que diria:

- Esse povo é mesmo um caso de poesia!

 

 

 

 

 

 

 

 

Rosa Alves
Enviado por Rosa Alves em 21/03/2024
Reeditado em 22/03/2024
Código do texto: T8024533
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