Só uma educação cidadã salva o trânsito no Brasil

A falta de gentileza urbana eleva os índices de mortos e feridos no trânsito brasileiro

por Márcio de Ávila Rodrigues

[18/03/2024]

Ontem (17/03/2024) eu caminhava de manhã por um bairro tranquilíssimo de Belo Horizonte e quando estava prestes (um metro de distância) de atravessar a rua ouvi o som de uma buzina.

Percebi incontinenti que era o som da advertência. Era um motorista exigindo a preferência de passagem.

Mas era uma manhã de domingo: naquele local eu era o único pedestre e ele dirigia o único carro próximo. E a faixa de pedestres estava bem pintada no asfalto. Uma situação bem tranquila.

Já beirando a classe dos septuagenários, tenho tranquilidade em afirmar que o grau de educação e gentileza da população brasileira melhorou nas últimas cinco décadas. Mas o verbo "melhorou” não me satisfaz, é insuficiente para a existência de relações sociais (interpessoais) adequadas.

Nas ruas das cidades médias ou grandes circulam muitos pedestres e muitos automóveis. A gentileza no trânsito é essencial para que a vida flua e também por causa do elevado número de acidentes, que causam ferimentos e mortes.

Apesar do descrédito das boas intenções dos políticos, o poder público tem sido útil, tem feito muitas campanhas preventivas neste recorte temporal de minha vida adulta. Destaco a criação do Movimento Maio Amarelo, que dedica o quinto mês do ano à segurança no trânsito e escolheu como tema da Semana Nacional de Trânsito de 2024 a “Paz no trânsito começa por você”. O amarelo foi escolhido por ser uma cor do trânsito, uma cor de advertência.

A mídia talvez tenha sido ainda mais útil, nesse contexto orientador, do que o poder público, através das reportagens educativas sobre a gentileza urbana.

Também são muito úteis as reportagens sobre os atropelamentos, batidas e os acidentes graves. O medo é um bom conselheiro.

Assim como os motoristas egoístas, a categoria dos pedestres também está absorvendo de forma lenta os conceitos éticos da boa educação no trânsito. O uso da faixa de pedestres ainda é tratada por uma grande parte da população, talvez pela maioria, como opcional e não como o local preferencial de passagem.

Pouco anos atrás, alguma emissora de televisão mostrou um comportamento adotado pelos pedestres de Brasília. Tornou-se um hábito dar um sinal com a mão para solicitar a parada dos automóveis durante a travessia. É importante destacar que a capital brasileira tem uma arquitetura única, com avenidas largas e longas.

Pouco depois da divulgação desta reportagem, observei em uma rua de Belo Horizonte uma senhora repetindo o sinal para fazer a travessia. Mais a uns 30 metros de distância ficava a esquina com a pintura da faixa de pedestres. Como ela não parecia ter dificuldade de locomoção, deduzi que interpretou erradamente a reportagem e entendeu que o abano de mão do pedestre obriga o motorista a parar em qualquer ponto da rua.

Os brasileiros se assombram com o comportamento disciplinado dos cidadãos dos países chamados de “primeiro mundo”. Japoneses e alemães sempre foram especialmente admirados, pois foram arrasados na Segunda Guerra Mundial e fecharam o século 20 como a segunda e a terceira maior economia do planeta, respectivamente.

Mas falta, para os brasileiros, a percepção de que o sucesso começa nas pequenas atitudes dos cidadãos. Sinais de trânsito, por exemplo, são regras invioláveis para os dois povos citados.

Uma vez ouvi o relato de um brasileiro que ficou impressionado ao observar, na Alemanha, que as pessoas estavam paradas esperando o sinal de trânsito abrir embora não houvesse nenhum automóvel trafegando naquele momento.

Em minha única ida à Alemanha, observei que um determinado brasileiro não se importava em caminhar fora do calçamento, ia pelo asfalto. A rua era estreita e o movimento pequeno, mas um motorista que passou por nós deu várias buzinadas de advertência.

Avisamos ao companheiro que na Alemanha e países europeus, de um modo geral, essas pequenas desobediências às leis do trânsito também são "fiscalizadas” pelos cidadãos locais, que se sentem ofendidos pelo desrespeito às regras. A tendência dos brasileiros é temer e respeitar apenas os policiais.

Alguns anos atrás eu vi algumas estatísticas comparando números de vítimas (mortos e feridos) do trânsito brasileiro com os países "mais adiantados”. Infelizmente nossos números são bem maiores. Assustadores e preocupantes.

Dirigimos automóveis e caminhamos com a companhia do medo. Não precisava ser assim.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.