O DESAFIO DAS PALAVRAS

Vocês podem não acreditar, mas conheci um profissional bem remunerado, que lecionava em faculdade, mas que costumava usar um palavrório sem qualquer precisão gramatical, como se fosse um piá metido de colégio. É de "matar o bicho" ( havia, no Orkut, uma Comunidade bem badalada sobre “Gírias idosas”). No início, achei que estava tirando sarro; depois, dei-me conta de que era sincero e profundo o seu desconhecimento do vernáculo. “Ao fim de cada ano, temos de fazer um orçamento das coisas boas e más que aconteceram”. Fiquei com a tentação de perguntar-lhe se não seria melhor fazer um balanço do que um orçamento, ainda mais que se tratava de encerramento de exercício, mas como ele estava muito compenetrado e convicto, desisti. Só não pude agüentar quando propôs que os presentes deixassem de lado as suas volúpias e divergências para colimar bem este ano. Aí foi mesmo demais. Ponderei, na hora, que as minhas volúpias, ainda que eventualmente pecaminosas, faziam parte de mim: o máximo que poderia conceder seria afastá-las naquele ato, ainda que mal contivesse a volúpia de gargalhar. Depois, tive de continuar a emendá-lo: neste ano, praticamente não dá pra colimar mais nada, pois ele está se encerrando, terminando, findando; pode-se colimar - ter em vista, visar a, pretender - um ano novo auspicioso ou, então, colimar um final de ano alegre e feliz. Com certeza, ele me achou um idiota ou um grosso, apesar de todo o esforço que fiz para falar com simpatia e leveza. Paciência. Pior que alguns circunstantes não entenderam patavina do ocorrido. Lamento apenas por seus alunos, que, tal como o insigne mestre, não devem cultivar o hábito de recorrer ao dicionário. Havia outro preclaro professor universitário de minha irmã, que sentenciava "Os que quiserem virem, podem virem vindo, os demais estão deliberados". E não faltam luminares para empregar vocábulos absolutamente inadequados, tipo "Ele explicou o assunto bem amiúde", ao invés de minuciosamente. Este é um erro que ocorre amiúde. O assunto é inesgotável tal a frequência de "mortandelas", "mendingos, "arrecém" e outras pérolas que a gente ouve no dia a dia, inclusive de pessoas ditas públicas, a denotar cabalmente que "houveram" muitos problemas no ensino básico desses viventes.

Com meu falecido pai, ainda na era anterior ao Google, aprendi que, no mobiliário básico de uma casa, há que se ter, pelo menos, um bom dicionário e uma enciclopédia.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 04/01/2008
Reeditado em 25/04/2014
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