Opostos atraídos

Por comodismo do destino, não sei dizer quando foi a última vez que enfrentei filas. As de banco e lotéricas - as mais temidas, convenhamos - nos tempos remotos costumavam ser minhas favoritas. Que gosto peculiar, Luciana.

Eu, na minha natureza indiscutivelmente fleumática, otimizava o "tempo perdido" para colocar em dia as leituras.

Hoje, época em que temos, gratuitamente, um sol para cada um, não ter que enfrentar filas é uma tremenda sorte.

Fossem só as leituras meus únicos escapes, eu seria tachada de literata incógnita. Todavia, os mesmos olhares que me alcançavam sem disfarce, jamais pensariam que a mocinha leitora era também uma observadora.

Levando em conta que nesses ambientes há estímulos visuais e auditivos em demasia, conseguir o máximo de atenção numa leitura é dom para poucos; deste, lamento, não fui agraciada.

As conversas e ações revelavam o ordinário cotidiano: sempre mais do mesmo. Podia ser enfadonho e talvez exaustivo, entretanto essas trivialidades contribuíam para entendimento dos meus desassossegos.

Sou naturalmente introvertida, eu sei. Por mais que tenha melhorado, ainda possuo resquícios de um temperamento imutável.

O que poucos imaginam é que, por mais que eu ame e escolha sempre o silêncio, estar nos ambientes ruidosos me permitem aprender; depois de ouvir e absorver rumores e ruídos, voltar ao meu silêncio ordena as minhas ideias.

Não tenho licença para palpitar nas relações, especialmente as conjugais. Há priscas eras, fui uma espécie de cupido. Hoje, abandonados o arco e flecha, não há artefatos: sou, agora, espectadora.

Esse papel de testemunha, tanto de quem assiste, como de quem de fato assina o documento no cartório, trouxe-me alguma experiência.

Na maioria das vezes, os casais são compostos do famigerado "opostos atraídos". Não nos enganemos: essa oposição não se apoia em valores, mas sim em natureza. É quase um paradoxo.

Num belo dia, ambos se encontram. Enquanto temos uma borboleta social, o outro sofre com cumprimentos. O vagaroso, casado com um trator em ação, frequentemente é apelidado de lerdo; nessas horas, esquece-se o vocabulário. Ou você vai me dizer que já ouviu alguém chamar o cônjuge de moroso?

Quando fui buscar entender como funcionava a natureza comportamental, percebi que há mais, bem mais o que aprender.

Essas naturezas opostas, unidas pelo Divino e destino, nos mostram que assim foram para o cumprimento de um intuito maior: a evolução como ser humano.

Há quem tenha similaridades, mas até nas minúcias vê-se um toque de divindade: essas oposições são oportunas para a aquisição de virtudes. A caridade, maior das três teologais, é a que mais se adquire nas desavenças.

Quem achava que as filas podiam ser tão detestáveis, talvez não notassem que elas podem, também, nos ensinar; não só sobre os demais, mas sobre nós mesmos, a começar, sobretudo, pela paciência.

Luciana Arima
Enviado por Luciana Arima em 04/03/2024
Código do texto: T8012833
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