Bissextagem
Não consigo imaginar algum outro mês do ano mais presunçoso que fevereiro, com sua agitada promessa de purificação. Essa época de libertinas alegrias esconde seus problemas debaixo de máscaras carnavalescas que logo têm seu fim. É somente quando fevereiro passa que o ano de fato começa com seriedade. Fébruo da morte, da decadência do espírito e da dispersão da racionalidade, último suspiro antes de uma fase que se alongará monótona pelas estações a fio.
No entanto, se nos aventurarmos por outros horizontes, descobriremos que se não fosse por este mês instável, não poderíamos resolver o desafio das horas quebradas que nossa geosfera demora para circundar o astro-rei. Estamos sempre um pouco adiantados em nossas comemorações de Réveillon, ao acreditarmos piamente que o novo ano se inicia com o badalo da meia noite. Caso contássemos algumas horas a mais em todo dezembro, que a meu ver é o mês da perfeição, não precisaríamos viver um dia a mais e estaríamos todos poupados desses épicos dias quadrienais de 29 de fevereiro.
Portanto, o segundo mês do ano atravessa um dilema contrastante entre apanhar para si o tempo rejeitado dos últimos anos anteriores, e isto lhe confere a autoridade de quem faz hora extra sem distribuí-las ou revezar-se entre tantos outros meses que compõem o ano. Fevereiro é por isso o ano da exatidão. O dia 29 só poderia se situar ao final do mês, nas proximidades de março, já que qualquer movimento de certeza antes desta data estaria fadado ao insucesso de um carnaval irresponsável, e porque o fim deste mês inaugura o ano daqueles que adoram comemorar com as serpentinas de uma vida bem aproveitada.
Creio que muitos comemoram o dia 29 de fevereiro, porque a humanidade vive correndo atrás de mais tempo, a todo o tempo. “Eu só gostaria de ter mais algumas horas em meu dia”, alguns dizem. Pois que aproveitem então este presente que coincide com os anos olímpicos. Talvez haja alguma explicação, os atletas realmente saberiam bem aproveitar suas horas complementares doadas por fevereiro, eis um bom presente que a materialidade não substitui: dispor de mais tempo para a lapidação de suas habilidades.
Agora nos perguntemos: por que não comemoramos vivamente esse dia que só ganhamos a cada quatro anos? A resposta é simples: porque o carnaval já passou, e o próximo tempo de celebração só poderá ser a páscoa no ocidente. Nada mais que isso, visto que a partir de agora, a austeridade do ano já pode ser sentida em cada poro de um estudante dedicado e em cada sobrecarga de um trabalhador convencional.
Só posso dizer que nunca entendi a lógica das fervuras ferveirinas, a um só tempo intensidade e ajuste, coloridos e recomeços, toque genuíno e transição para a maturidade, com a singeleza do último mês despreocupado e ocioso. Este mês já se vai tarde, nos deixando um dia a mais e já demorando para sair de cena. O próximo dezembro agradece: poderá ser um pouco mais fidedigno ao que todos comemoram no findar dos dias anuais, sem o peso de lembrar que as horas extras só serão cumpridas por fevereiro lá em 2028 e que até lá, esse dia não existirá.