REENCARNAÇÃO
Há quem adore falar sobre reencarnação, com ou sem base doutrinária. Não quero ser diferente e desejo logo transmitir “revelação” que meu avô espírita me fez de que eu seria Dom Pedro II reencarnado. Não sou homem de religiões, mas tenho certo conhecimento de História e devo confessar que a hipótese seria encantadora. “Irmão Mattos”, como era conhecido vô José Simões - muitos anos Presidente da Federação Espírita do RS, escritor e doutrinador - era, afinal, uma santa alma, que praticava a filantropia e o evangelho e amealhou muito poucos bens materiais para desespero de minha avó, Dina, uma genuína descendente direta de imigrantes italianos da região de Milano.
Vô Mattos, um autodidata, imigrante português da Beira-Alta, escreveu alguns livros kardecistas e tinha a palavra sábia. Neste ponto, todavia, creio que se enganou, apesar de sua convicção. Sou admirador de Dom Pedro II, homem esclarecido e mais republicano que os próprios liderados que o fizeram partir sorrateiramente para o exílio, na madrugada de 17 de novembro de 1889. Culto e estudioso, Pedro adorava viajar. Consideravam-no homem retraído, circunspecto. Compreende-se: o pequeno príncipe, com 1 ano, ficou órfão de mãe e aos 5 foi abandonado pelo pai, que retornou a Portugal, legando-lhe o peso de um império a conduzir. Quem já viu as pinturas de sua esposa, Teresa Cristina, com quem se casou por procuração aos 17 anos, talvez possa melhor entender o ar triste e compungido de nossa máxima figura imperial. Os pasquins republicanos acusavam-no de trair a esposa com a Condessa de Barral. Não dá para dizer que era intriga da oposição, mas grande maldade dos que queriam vê-lo morrer à míngua de entretenimento e sexo.
Bem, fosse eu o Imperador em nova missão terrena, não estaria escrevendo "croniquinhas", mas atirado em campanha pela Monarquia, com vistas ao bem comum, é claro, e também para reformar radicalmente os velhos rituais , ao menos tentando melhorar critérios estéticos para o acasalamento: a Inglaterra de hoje não seria um mau exemplo. Não vou nem falar em política.
Mas, no plebiscito a respeito, votei pela República: fui incrédulo e talvez tenha feito gol contra, o que pode significar que é plausível a tese de que eu seja mesmo Dom Pedro II reencarnado. Não agi em causa própria e nem me meti de pato a ganso. Na República, dizem-se democratas, mas ninguém quer largar o osso. Tem sido um salve-se quem puder, infelizmente. O poder é uma cachaça braba.
Pedro, exilado, foi viver na Europa, sem os tediosos encargos do reino tupiniquim, mas com a doce lembrança do apoio popular que usufruíra no Brasil, ainda que só e com parcos recursos. Infelizmente morreu cedo, aos 66 anos, em Paris. Um belo cenário para o nada absoluto.
Quanto a mim, desgosto do estilo burguês de conduzir a vida, mas confesso que me atraem certos refinamentos aristocráticos - ao menos à mesa e em posturas públicas - misturados, é claro, ao nosso tão confortável simplismo popular de existir - no rude estilo Pedro I. Afinal, a aristocracia verde-amarela sempre foi macunaímica. Portanto, diletos amigos, não me queiram mal, sou uma pessoa singela, quase um campônio, mas sempre vale certo aprumo e respeito à etiqueta no trato pessoal. Ser simples é o máximo, mas cabe uma dose de polidez em quaisquer atitudes ou ambiente. Claro, não precisam me chamar de Vossa Majestade, os tempos mudaram. Ademais, fiquem cientes de que sobre meus ombros talvez pese mais de um século de história nacional. Fazer o quê? Yo no creo en brujas pero que las hay las hay.
Ei, tchê, abre outra garrafa de vinho aí, por favor!