CARPE DIEM

Cursei o clássico, nos tempos de colégio, mas creio que isto não me impede de especular um pouco sobre ciência e tecnologia e nem retira automaticamente credibilidade a minhas “teorias”. Para começar, acredito que é compreensível, mas não correto, o imenso esforço para aumentar a longevidade humana. E é incorreto não só por razões biológicas, mas culturais, sociais, filosóficas e até estéticas. Qual a graça de viver mais de cem anos, como alguns almejam? Não me parece aconselhável alongar excessivamente a velhice, transformando mortais em zumbis de um tempo que não é mais seu, como objetos fora de uso, com estranhos amigos de última hora, além do deslocamento óbvio na decoração do ambiente. As exceções justificam a regra. Outra questão para daqui a uns cem anos, digamos, é o desaparecimento do sexo tal como a natureza estabeleceu até hoje, com alguns retoques de civilização. Ao menos quanto a alguns objetivos e modalidades. Acredito que as pessoas, ligadas a sensores, navegarão no espaço virtual e lá encontrarão seus pares ou objetos de desejo, se assim preferirem, e tecerão suas relações e aventuras radicais, tipo Second Life - recordam? -, sem riscos de doenças ou contratempos graves. Quantas alternativas disponíveis e com prazer garantido! Filhos? Laboratórios e tubos de ensaio resolverão o assunto em grande parte, além da possibilidade inafastável de criação de robôs afetivos, ao estilo inteligência artificial. Também creio que, talvez em 50 anos, empresas não terão mais sedes físicas e nem precisarão realizar altos investimentos imobiliários, pois as pessoas trabalharão em suas casas, conectadas na rede, de tal modo que, em Bossoroca ou Itaqui, será possível prestar serviço a uma multinacional sediada em Genève. Isto será uma revolução nos planos diretores urbanos dos grandes centros, resolvendo, quem sabe, o tormento atual do trânsito de veículos e estabelecendo um novo conceito econômico de propriedade de imóveis. Por outro lado, quem desfrutar de Décimo-Terceiro, FGTS, Participação nos Lucros, Abonos e Férias remuneradas, que aproveite bem agora, porque o futuro consagrará relação de serviço diferente, prestigiando a autonomia dos prestadores, sem maiores vínculos e com menores custos. Aliás, este futuro já está batendo na porta. As coisas, em 50 anos, serão, enfim, bastante diversas. Se não for bem isto, vai ser alguma coisa parecida, mas, como não estou preparado para este tipo de porvir, vou cair fora mais cedo, ainda curtindo as delícias da barbárie, fiel à máxima do "aproveite o dia", independentemente de riscos e efeitos colaterais, ao menos quanto à boa bebida e gostosuras alimentícias - que não serão em drágeas.

Mas esta questão é um pouco complicada para quem segue o evangelho ao pé da letra. Não dá pra cair na gandaia e enfiar o pé na jaca. Quem curte a gula, pode virar obeso e acabar com as coronárias entupidas, quem sabe até explodindo, como a "Dona Redonda" daquela conhecida novela. Quem se esbalda na luxúria, pode afetar a estabilidade das relações afetivas e enfrentar o espectro tenebroso da DST. Quem se deixa tomar pela ira, pode virar assassino cruel e ver o sol nascer quadrado, tanto quanto outros tantos vilões materialistas. O pecado do "carpe diem", quem sabe um oitavo pecado capital, seria o de "abraçar todas", sem resistência aos apelos dos diversos prazeres da carne, quase uma soma dos sete outros pecados mundanos. Quer dizer que o cara afeito a um lauto manjar com a melhor bebida, com belas mulheres em qualquer circunstância - inclusive a do próximo (pecado mortal) - estaria completamente errado? Necessariamente não, calma nesse moralismo todo. Se tomar precauções adequadas e agir com racionalidade, sem forçar a barra, não será pecado capital, pois estará aplicando o "carpe diem" em sua plena dimensão moderna e prazenteira. É tão comum flexibilizar as leis, por que não alguns mandamentos? Mas isto é só pra quem pode, para quem nasceu com alma de aventura radical e desapego, no mais é feijão com arroz mesmo, que, aliás, é maravilhoso. Talvez até este desapareça no amanhã.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 03/01/2008
Reeditado em 10/04/2019
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