UM PALITO, POR FAVOR

Há alguns anos, fui convidado, eu e uma namorada, por certo empresário muito rico, para almoçar com sua família num domingo. É preciso dizer que o cidadão tinha uma residência lindíssima, enorme, luxuosa, em um terreno amplíssimo, latifúndico. Chegamos na hora aprazada e lá encontramos o casal, dois filhos pequenos, a cunhada do empresário e seu marido, ambos de meia-idade. Além, é claro, de uma governanta, um garçom e duas empregadas. Haviam nos preparado um churrasco completo, carne macia, importada e variada, servido com excessivo refinamento. Confesso que achei muita frescura, por que comer churrasco é ritual pagão e, de certo modo, tosco, com tintas de selvageria e um certo apelo pantagruélico. É uma confraternização íntima, simples e sem muita pose. A dona da casa reservara-se um apetitoso salmão grelhado, que nos ofereceu sem muito empenho. Eu não perdoei e também ataquei de salmão. Minha namorada, igualmente, não se fez de rogada. Não sobrou fiapo da criatura escamosa. Foi, enfim, um banquete. Não somos bárbaros, não; fizemos tudo com alguma elegância e moderação, tentando disfarçar nossa índole campeira. Com a espontaneidade que me caracteriza, ao final da refeição, pedi um paliteiro, aliás, quase supliquei por um palito. A dama esclareceu-me, sobranceira, divinal e impiedosa, que, naquela casa, não havia palito. Percebi no seu falar um tom sutil de reprovação. Acho que só podiam ter dentaduras artificiais ou coisa do gênero, pois é comum a separação de dentes na arcada dos reles mortais e nada mais angustiante do que um naco de carne preso entre os dentes com alguma folga. Sim, parece que havia fio dental no banheiro, mas eu não pretendia ficar levantando de quinze em quinze minutos para resolver probleminhas singelos, que um bom palito resolve na hora, utilizado discretamente, com toda a educação. Criado no interior, não me apertei: dei um jeito de providenciar numa saída estratégica ao pátio e sorrateiramente arranquei um pequenino galho de arbusto, que desbastei e transformei em palito. Essa etiqueta tupiniquim desconhece o suplício de quem tem eventualmente necessidade. Não entendo a cruzada contra o velho e bom palito; há muito de hipocrisia nisto. Só fui descontrair mesmo na hora do licor importado, vendo minha jovem namorada tratar o cunhado da anfitriã sem muita cerimônia, tipo “Essa foi boa, Chico!”. Chico pra cá, Chico pra lá. Francisco – ou “Chico”, segundo a esposa e os cunhados - de camisa esporte e calça folgada de brim, era nada mais nada menos do que um ex-Ministro da República, abonadíssimo, badaladíssimo e de tradicional família, cotado para o Supremo Tribunal Federal. O melhor foram as gargalhadas na volta à casa. Santa e sadia ignorância, muita diversão e longa vida. Não sei se minha performance desagradou, mas o fato é que, embora a amizade perdure, não recebi mais convites para churrascos, o que não lamento. Se recebesse, aliás, levaria palitos de casa.

José Pedro Mattos Conceição
Enviado por José Pedro Mattos Conceição em 03/01/2008
Reeditado em 06/12/2016
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