PENSANDO NO RÉVEILLON
Antigamente, réveillon era em casa, com a família, tomava-se "boli" - basicamente, champanhe, vinho branco e pedacinhos picados de maçã, acho que era isto, não tenho certeza - e, depois, a ceia. Não era habitual tanta badalação. Hoje, o Ano Novo disputa espaço com o Carnaval, oferecendo uma diversidade impressionante de eventos. Mais do que isto, obriga-nos a fazer algum tipo especialíssimo de programa, até para não ficarmos isolados do mundo. Hordas avançam rumo ao litoral para disputar palmos de areia na praia e mesa nos restaurantes e bares apinhados; multidões tomam de assalto ônibus e aviões para todo e qualquer lugar, sobretudo onde haja queima de fogos, rojões e estrelinhas, como se fosse São João. Enfim, é a busca desenfreada da badalação com todos os efeitos especiais e deleites da modernidade. Não estou sendo saudosista ou conservador, mas esta obrigação de festejar a virada do ano me incomoda. Até a proposta de um proveito paradisíaco, bucólico, isolado não me cativa, pois dele emana certa sonoridade de fuga, por força apenas do calendário. Claro que a confraternização é boa, mas aonde ir se quase tudo fica lotado e caríssimo? Eu sei, sou comodista, sim, não gosto de fila, de gente se acotovelando, de hora marcada, viagens cansativas, exploração de preços, tranqueira no trânsito, desabastecimento, mas quem gosta?! Já me avisaram que tenho de me programar uns três ou quatro meses antes para curtir algum bom lugar que me atraia, mas não consigo projetar minha vida com tanta antecedência. Mesmo que conseguisse, seria abominável. É chata a vidinha pré-ordenada para o prazer, ou para evitar o tumulto do prazer coletivo. A gente já se programa, na vida, para os estudos, para o trabalho, até para as relações afetivas - como noivado, casamento, separação - por que o dever de programar-se para três ou quatro dias de feriado? É o mesmo dilema do Carnaval. No geral, busco fugir da multidão avassaladora. Num certo réveillon, por exemplo, refugiei-me em Buenos Aires, onde não há (ou não havia) eventos especiais de virada de ano, aliás, a partir das nove da noite não se encontrava nem mesmo táxi na rua. Em 2008, de última hora, fui com a mulher para a Serra, onde fizemos, em Cambará do Sul, uma trilha ecológica sensacional, especialmente pra mim, que sou urbano: subimos, pela mata, as trilhas do canyon do Itaimbezinho, nos Aparados da Serra, marchando cerca de oito quilômetros por acidentados caminhos e sob chuva. Foi uma "indiada", aparentemente, mas me senti um Indiana Jones nativo, retemperado para mais vinte anos de combate. À meia-noite do dia 31, fizemos a ceia em Gramado, com os festejos de estilo, mas o réveillon mesmo foi na véspera, longe da multidão e dos fogos, absorvidos pela natureza pujante. Mas, passou. O Natal é ótimo, sempre em família, mas a virada do ano é permanentemente um caroço: parece que somos obrigados a desfrutar, a gente e tantos outros milhões de viventes. E cada parente ou amigo para um lado. Já estou começando a ficar atucanado, com uma nesga de saudade daqueles dias muito frios de aconchego e quietude.