Os pingos
Estava eu em minha casa, atarefada com os afazeres domésticos. Há quem não simpatize com eles - não os julgo - afinal, antes que se termine, é vez de começá-los novamente.
Era dezembro, época de recesso. Terminadas as tarefas, peguei meu livro para adentrar na leitura. Antes, no entanto, fui beber água e notei um pequeno desajuste.
Nossa casa, que mantém alguns objetos e traços ancestrais, conta com uma talha de barro, que é inegociável para minha mãe. A pobrezinha da talha, ainda que conservada, mesmo com suas décadas de uso, apresentava uma falha na sua torneira.
Pingos caíam, inaudíveis e despercebidos na rotina frenética do lar; podiam, facilmente, permanecer até observar-se a diminuição da água.
Como não consegui consertar a torneirinha, resolvi colocar uma caneca, a fim de que as gotas, uma a uma, pudessem, enfim, transbordar o recipiente.
Imaginei que levaria bem mais de uma hora. Para minha surpresa, não chegou nem próximo do meu palpite. Quando notei, lá estava a caneca, repleta de água.
Nestes mesmos dias, ouvia religiosamente podcasts. Os temas filosóficos, em especial, eram os que mais me agradavam.
Não diferente, por influência da tal professora, passei a refletir na ordinária situação da torneira. Aqueles míseros pingos me mostraram que não eram apenas um problema e sim um emblema.
A lição óbvia, disfarçada na trivialidade cotidiana, apresentou-se como um chacoalhão: "calma; é aos poucos que tudo se ajusta". Os irrisórios pingos (ou passos, como desejar) levam, também, às grandezas da vida.