Celebraçã do Ano Novo - 1º de janeiro de 2008
@ Dalva Agne Lynch
Confirmei, nas primeiras horas de 2008, que sou uma completa imbecil aos olhos do mundo. Explico:
Meus filhos me levaram para passar o Ano Novo em um dos muitos badalados restaurantes de Sampa. Na mesa, havia um pacote embrulhado para presente (parte do preço da reserva) cheio de nicknacks: apitos, óculos estilizados, chocalhos, colares e puseiras daquelas que se iluminam. Havia também um balde cheio de gelo com uma garrafa de champagne. Das boas. E outro balde cheio de gelo e cheio de cerveja. Salgadinhos. Refrigerantes à vontade. Águas diversas.
Daí vieram os deliciosos e delicadamente preparados apetizers. Depois veio a comida, maravilhosa e farta. A sobremesa, um sonho. O atendimento, divertido e impecável.
Lá pelas tantas, a caminho do banheiro, resolvi perguntar a uma das recepcionistas o preço daquela coisa toda, e metade do meu sorriso se foi. "E quanto vc ganha para trabalhar no ano novo?" "Ah, faz parte do trabalho!"
Na volta à casa, lá pela uma e meia, passamos por uma parada de ônibus cheia de gente. "Olha, essa gente ainda está aí! São os mesmos de quando eu passei por aqui às onze..." , comentou meu filho ao amigo que convidara. Fiquei olhando aquela gente ali parada, roupa de trabalho, esperando um ônibus que nunca viera. Esperando por mais de duas horas.
E daí pensei no jantar que eu acabara de desfrutar, e que custara DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. O dobro do que a maioria daquela gente lá na parada de ônibus ganha em um mês.
Minha filha veio me perguntar se eu gostara do presente que me haviam dado. "Gostei, sim! Foi divertido!"
Agora sento aqui, à frente do pc de última geração que ganhei de Natal, e não penso na festa tão divertida.
Penso na parada de ônibus cheia de gente, esperando por duas horas um ônibus que nunca viera, e que trabalha mais de dez horas por mês para ganhar a metade do que gastaram comigo em três horas de diversão. Penso nos grandes hotéis, com pernoite de dez mil reais, lotados durante a passagem do ano. Penso em todas as festas que logo vão fazer presença nas revistas de fofoca. Penso nas manchetes de hoje da Folha de São Paulo: as Farcs, as pessoas sem moradia no país mais rico do mundo, os salários de nossos governantes, as consequências da morte de Butho, os gastos astronômicos com a futura Copa de 2014, os conflitos no Quênia.
Penso no meu filho, ainda na guerra do Iraque.
Pois é. Ao invés de me alegrar de não ter estado naquela parada de ônibus, de não precisar trabalhar em dia de festa, de ter minha casa, meu novo pc, pesa-me no estômago e na consciência a maravilhosa refeição de dois salários mínimos.
Definitivamente, sou uma imbecil aos olhos do mundo.
Nota: Recebi diversos comentários a este texto, e um deles eu gostaria de colocar aqui, porque mostra "o outro lado da moeda":
Prezada amiga virtual Dalva,
Acho muito natural quem é mãe sensibilizar-se por cenas tão opostas como um "reveillon" em um restaurante de luxo e a espera de um ônibus que não chega, em plena noite de ano novo. No entanto, cabe sempre uma reflexão: Se quem tem dinheiro não o gastar, como os que não tem vão consegui-lo? A champanha tomada trará o agradecimento do lavrador que plantou a vinha em Garibaldi - RS, do motorista que a transportou, do balconista que a vendeu e do garçom que a serviu. Em Cuba, só para citar um lugar comum, não creio que bebam champanha e nem mesmo comemorem o ano novo (isso é coisa de burguês). Mas isso tira a oportunidade de milhares de pessoas ganharem suas vidas com essas comemorações. Lá existe a igualdade da miséria: todos passam a mesmas dificuldades. Assim ninguém fica com remorso. É, realmente, lamentável a situação daqueles que trabalham nessas ocasiões. No entanto, eu próprio, entrei muitos anos novos debaixo de chuva comandando o policiamento da São Silvestre, quando a corrida se desenrolava à noite. E, como policial militar, não recebi nada extra por isso, e acho que apenas cumpri com minha obrigação. Não sou apologista do capitalismo que alguém chama de "selvagem", mas creio que a única forma de tornar iguais os seres humanos - diferentes por natureza - é dar-lhes oportunidades iguais. Quem sabe se, em função dos gastos deste fim de ano, muitos dos que esperavam ônibus no dia 31 estejam comemorando com os seus o início de 2009?
Aos olhos do mundo, quem oferece trabalho aos seus semelhantes, gastando aquilo que pode (logicamente sem atitudes perdulárias), não é imbecil. É, antes um altruísta.
Saudações nacionalistas
Alaor.·.
São Paulo - SP
Agradeço ao amigo Alaor por seu comentário.
fig: foto da tal de celebração.
@ Dalva Agne Lynch
Confirmei, nas primeiras horas de 2008, que sou uma completa imbecil aos olhos do mundo. Explico:
Meus filhos me levaram para passar o Ano Novo em um dos muitos badalados restaurantes de Sampa. Na mesa, havia um pacote embrulhado para presente (parte do preço da reserva) cheio de nicknacks: apitos, óculos estilizados, chocalhos, colares e puseiras daquelas que se iluminam. Havia também um balde cheio de gelo com uma garrafa de champagne. Das boas. E outro balde cheio de gelo e cheio de cerveja. Salgadinhos. Refrigerantes à vontade. Águas diversas.
Daí vieram os deliciosos e delicadamente preparados apetizers. Depois veio a comida, maravilhosa e farta. A sobremesa, um sonho. O atendimento, divertido e impecável.
Lá pelas tantas, a caminho do banheiro, resolvi perguntar a uma das recepcionistas o preço daquela coisa toda, e metade do meu sorriso se foi. "E quanto vc ganha para trabalhar no ano novo?" "Ah, faz parte do trabalho!"
Na volta à casa, lá pela uma e meia, passamos por uma parada de ônibus cheia de gente. "Olha, essa gente ainda está aí! São os mesmos de quando eu passei por aqui às onze..." , comentou meu filho ao amigo que convidara. Fiquei olhando aquela gente ali parada, roupa de trabalho, esperando um ônibus que nunca viera. Esperando por mais de duas horas.
E daí pensei no jantar que eu acabara de desfrutar, e que custara DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. O dobro do que a maioria daquela gente lá na parada de ônibus ganha em um mês.
Minha filha veio me perguntar se eu gostara do presente que me haviam dado. "Gostei, sim! Foi divertido!"
Agora sento aqui, à frente do pc de última geração que ganhei de Natal, e não penso na festa tão divertida.
Penso na parada de ônibus cheia de gente, esperando por duas horas um ônibus que nunca viera, e que trabalha mais de dez horas por mês para ganhar a metade do que gastaram comigo em três horas de diversão. Penso nos grandes hotéis, com pernoite de dez mil reais, lotados durante a passagem do ano. Penso em todas as festas que logo vão fazer presença nas revistas de fofoca. Penso nas manchetes de hoje da Folha de São Paulo: as Farcs, as pessoas sem moradia no país mais rico do mundo, os salários de nossos governantes, as consequências da morte de Butho, os gastos astronômicos com a futura Copa de 2014, os conflitos no Quênia.
Penso no meu filho, ainda na guerra do Iraque.
Pois é. Ao invés de me alegrar de não ter estado naquela parada de ônibus, de não precisar trabalhar em dia de festa, de ter minha casa, meu novo pc, pesa-me no estômago e na consciência a maravilhosa refeição de dois salários mínimos.
Definitivamente, sou uma imbecil aos olhos do mundo.
Nota: Recebi diversos comentários a este texto, e um deles eu gostaria de colocar aqui, porque mostra "o outro lado da moeda":
Prezada amiga virtual Dalva,
Acho muito natural quem é mãe sensibilizar-se por cenas tão opostas como um "reveillon" em um restaurante de luxo e a espera de um ônibus que não chega, em plena noite de ano novo. No entanto, cabe sempre uma reflexão: Se quem tem dinheiro não o gastar, como os que não tem vão consegui-lo? A champanha tomada trará o agradecimento do lavrador que plantou a vinha em Garibaldi - RS, do motorista que a transportou, do balconista que a vendeu e do garçom que a serviu. Em Cuba, só para citar um lugar comum, não creio que bebam champanha e nem mesmo comemorem o ano novo (isso é coisa de burguês). Mas isso tira a oportunidade de milhares de pessoas ganharem suas vidas com essas comemorações. Lá existe a igualdade da miséria: todos passam a mesmas dificuldades. Assim ninguém fica com remorso. É, realmente, lamentável a situação daqueles que trabalham nessas ocasiões. No entanto, eu próprio, entrei muitos anos novos debaixo de chuva comandando o policiamento da São Silvestre, quando a corrida se desenrolava à noite. E, como policial militar, não recebi nada extra por isso, e acho que apenas cumpri com minha obrigação. Não sou apologista do capitalismo que alguém chama de "selvagem", mas creio que a única forma de tornar iguais os seres humanos - diferentes por natureza - é dar-lhes oportunidades iguais. Quem sabe se, em função dos gastos deste fim de ano, muitos dos que esperavam ônibus no dia 31 estejam comemorando com os seus o início de 2009?
Aos olhos do mundo, quem oferece trabalho aos seus semelhantes, gastando aquilo que pode (logicamente sem atitudes perdulárias), não é imbecil. É, antes um altruísta.
Saudações nacionalistas
Alaor.·.
São Paulo - SP
Agradeço ao amigo Alaor por seu comentário.
fig: foto da tal de celebração.