Jabuticabas
Nos meses de dezembro e janeiro, enquanto desfrutava meu recesso e um recolhimento necessário, resolvi mergulhar numa série filosófica.
Longe de ser uma erudita, não nego a atração e fascínio que a filosofia me provoca. Mesmo sendo leiga e amadora no assunto, este foi o foco do meu entretenimento.
Descobri, então, um poeta antes desconhecido: Khalil Gibran. O livro comentado, intitulado "O Profeta", é um tratado de temas indispensáveis à sociedade. Todos me encantaram, e seus conteúdos, sintetizados em pequenos versos, permitem uma meditação perene.
Os anos em que eu transitava da infância à adolescência sofria um incômodo: não conseguia engolir comprimidos, os quais necessitavam ser amassados para a digeri-los (já narrei este fato em outro escrito).
Fossem só eles o embaraço, talvez não me importasse. O que me chateava, verdadeiramente, era não conseguir degustar uvas e jabuticabas, consideradas minhas frutas desafiadoras.
Num belo dia, para minha alegria, consegui enfim alcançar o tão desejado degustar. A situação ficou guardada em minha memória como o prêmio de quem passara anos incansáveis labutando com a pequenez.
Talvez por isso, a jabuticaba tornou-se, evidentemente, minha fruta predileta. Hoje, enquanto apreciava o marasmo pós-almoço, a doce jabuticabeira compartilhada no status do meu irmão, chamou-me a atenção.
Sabendo que ele estava ocupado, apenas fiz um breve comentário sobre a beleza da árvore. Segui meus afazeres, esquecendo-me da frutinha.
Prestes a sair de casa, o chamado pragmático do meu irmão (que chegara naquele exato instante) seguido de um "tó", não se apresentou tão rude quanto a mísera e única palavra direcionada.
Atônita com seu movimento, afinal não esperava receber uma sacola cheia de jabuticabas, não consegui dizer nada além de um tosco "você trouxe!".
Enquanto seguia ao meu destino, a situação presenciada levou-me aos comentários a respeito de Gibran. Seu primeiro tema do livro, trata-se do amor.
Mesmo que a palavra remeta a coraçõezinhos e romantismo, sabe-se que o sentimento ultrapassa todas as nossas fronteiras.
Escondido no cotidiano, morando inteiramente nos fatos ordinários tantas vezes despercebidos, o amor alcança seu ápice nos inesperados da vida: é exatamente ali que ele constrange.
Para meu encantamento, pude sentir no trivial gesto do meu irmãozinho, um toque de amor espontâneo. Certamente ele não imaginava que o colhimento das jabuticabas causariam tamanha alegria. Incontestavelmente, o afeto mora nos detalhes; os meus doces e encantadores detalhes.