Ele também sorri

Há pouco mais de um ano tenho usado aparelho ortodôntico. As consultas mensais, que popularmente são conhecidas como os dias laboriosos, para mim, todavia, são o momento terapêutico.

Afinal, eu e a doutora compartilhamos muito mais do que gostos em comum: nossas conversas, pautadas em reflexões e filosofias sobre a vida, terminam com a sensação de termos, de fato, participado de uma sessão de terapia.

Ainda que o tratamento dentário custe incômodos e impedimentos temporários, estes levarão ao fim último: a saúde e beleza no sorriso.

Quando jovenzinha, pouco sorria para fotos ou pessoas. Naturalmente sisuda, minha expressão, à primeira vista, é facilmente concebida no bordão da mocinha brava.

Mesmo mantendo alguns resquícios de natureza fria, cujas atitudes são pensadas e vagarosas, depois de anos de terapia, minhas feições têm estado mais amistosas.

Talvez por conhecer meu lado introspectivo, que traz consigo as ações circunspectas, todos aqueles que apresentam semblante cenhoso, a mim não causam estranheza.

É inegável e indiscutível que a receptividade calorosa quebranta qualquer carranca; ademais, acolhe os inseguros e abranda o furor.

Vez ou outra, encontro um senhorzinho pela cidade. Acompanhado de sua bicicleta, andando morosamente pelas pacatas ruas, quando o vejo parar, os trejeitos despertam cautela.

Tal qual os introvertidos, sua faceta se apresenta austera. Longe de fazer qualquer julgamento, antes o entendo, como já mencionei acima.

A circunstância que me chamou a atenção neste senhor ocorreu há poucos dias. Enquanto eu aguardava para ser atendida na quitanda, ele adentrava no supermercado; neste momento, um conhecido falou com ele, que instantaneamente abriu um sorriso e respondeu ao outro.

Como uma criança ingênua, a primeira ideia surgida na minha cabeça foi: "ele também sorri". Que bizarro. É óbvio, Luciana, acusou-me a racionalidade sempre ativa.

Fiquei pensando quantas pessoas já disseram o mesmo ao meu respeito. Para quem tem aspecto sério, quando, inesperadamente, abre-se um sorriso, é motivo de olhar atento e curioso.

O homem calado, cujo cenho franzido intimida, num instante espontâneo de riso, tornou-se um espelho: quão admiráveis são os sorrisos involuntários! Mais do que conexões e cordialidade, geram a satisfação em quem oferta, quem recebe e quem escreve.

Luciana Arima
Enviado por Luciana Arima em 23/01/2024
Código do texto: T7983117
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