Quando tudo que temos é a incerteza

Quando tudo que temos é a incerteza, a realidade fica por um fio. Talvez não haja uma fronteira entre a sanidade e a loucura. Talvez ainda estejamos corrompidos pelo hilariante cartesianismo. Talvez todo talvez seja um pedaço de vida ou um segundo de morte. O que fazer quando absolutamente tudo perde o sentido? O que fazer quando os abraços não trazem conforto e os sorrisos não superam a apatia? O que fazer quando não é uma questão de falta de Deus no coração? E o que fazer quando a vontade de potência é arruinada pela falta de vontade? O que fazer quando o céu perde a cor? O que fazer quando as pessoas são apenas estranhas aos olhos de um estranho que estranha as pessoas?

Há dias que há um eterno silêncio no barulho das coisas. O ventilador barulhento que foi comprado sob a promessa de um produto silencioso; os passarinhos aos gritos perturbando a vida do gavião que mora na mangueira ao lado, na casa do vizinho; a televisão alta, que atravessa o sono da mulher deitada na sala com o famoso sono pós-almoço. As motos, os carros e caminhões distantes, buzinando, frenéticos, eufóricos, quietos e desesperados em busca de algo. Tantos sons que ouço, tantas vozes que pairam. Cada cabeça um universo, cada objeto uma história, cada contexto várias subjetividades. Como um corpo mergulhado em vazio pode perceber tanto o tudo?

Sendo Sísifo, empurrando a pedra montanha acima e sendo esmagado ladeira abaixo, questiono-me: faz realmente sentido viver? Há um espanto no decorrer das horas. A constância do passar dos dias é inconstante. Cada fração do nosso horário mecânico é banhada por um fluxo constante, um devir. Neste devir nasci e nele sucumbirei e serei outra coisa após o meu ir. Nutrientes para a terra, comida para outras espécies. Do além, eu não sei. Tornei-me um homem sem fé. Mesmo crendo em Deus, deus, deuses, entidades, Orixás, de nada sei do além e pouca ou nenhuma vontade sinto para especular sobre. Parece-me um castigo continuar existindo após essa vida. Talvez eu esteja apenas sendo um eufemismo do exausto: um cansado.

Os dias passam lento dentro da rapidez dos anos. Penso e sinto na mesma frequência. Graças ao tempo não somos incólumes. Nem consigo imaginar a abissal estupidez de um ser humano imortal. Gratidão ao tempo! Um dia, enquanto estivermos tentando nos curar das feridas do passado, deixaremos de existir. Num sopro, sem a certeza de um último adeus, fim...

Com o intuito de ser fúnebre ou demasiado realista, procuro refúgio, nos dias de refúgio, nos meus sonhos. Questiono-me: que paz é essa que termina no findar de cada sonho, em cada despertar, quando os olhos se abrem? Que felicidade é essa que dança com a ideia da inexistência, do fim de tudo, da negação da vida, do desejo constante da aniquilação de si mesmo? Eu me sinto um doente da cabeça, em tratamento, mas ainda assim um doente. Eu me sinto como um pássaro inconstante que nunca para por muito tempo no mesmo lugar. Eu sinto o tempo me dando adeus e não me despeço por preguiça.

Quando tudo que temos são incertezas, as observações são constantes: buscamos respostas para as perguntas que surgem quando respondemos outros questionamentos e, a realidade é esvaziada de sentido. Tudo é mente, o universo é mental, como diria o sábio. Refletir sobre como toda nossa realidade é socialmente construída numa incessante briga de egos me desinteressa. Transformar o caos já não é tão empolgante. Nem o vinho, nem a poesia e muito menos a virtude me embriagam mais. Estou me tornando um lúcido desiludido pelas promessas mágicas e fantasiosas sobre a vida. Eu sinto a ânsia, não da náusea em refluxo no meu esôfago, mas da ansiedade inquietante pelo último suspiro. Irônico é escrever este texto num dia feliz.