Carta não enviada ao meu pai
Oi, pai
Estamos em 2024. Neste mês, em 24 de janeiro, o senhor completaria 67 anos. Sessenta e sete! Meu Deus, que jovem! É tão custoso escrever este verbo no futuro do pretérito: "completaria". De todas as conjugações, esta sempre foi a que menos gostei; justamente pela ideia de ser o que não foi.
Há 5 anos o senhor nos deixou. Sem ocasião de dar um último adeus, nos dias que antecederam o fato fatídico, recebi nas suas palavras e gestos a despedida que não queria: sim, o senhor sabia que Deus estava vindo te buscar.
Recordo com emoção a véspera. Suas visitas semanais ligaram para saber se viriam; a mãe comentou sua fraqueza, mas quando disse ao senhor que eles mudaram o dia, tu pediste que eles viessem, pois não daria tempo depois. É, não daria mesmo. No dia seguinte, o coma te atingiu.
São tantas histórias a serem discorridas. Esses 61 anos que o senhor viveu - poucos, sabemos - foram tão intensos como se tivessem sido centenário. Realmente, uma vida bem vivida.
Não há um só dia que eu não me lembre de ti. Às vezes, e nas datas memoráveis, choro entristecida por não mais te ver. Logo eu, pai, que tão durona sou para as lágrimas, tornei-me submissa do pranto.
Muitas coisas mudaram. Tantas outras permanecem iguais, porém nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia. Não tem como ser. A lacuna da sua presença é um vazio jamais preenchido. A vida continuou, nós continuamos, e seguimos os passos, conselhos e exemplo que o senhor nos deixou.
Foste o nosso irmão, amigo, marido e pai. Cumpriu seu chamado brilhantemente. Não deixou cair a peteca nem jogou a toalha. Batalhou e sofreu sorrindo e cantando, só não o fez tocando porque suas forças não eram como antes.
Poderíamos ter feito inúmeras homenagens em vida, e que bom que pela sua arte recebeu. Mas reconheço que o cuidado e atenção dispostos ao senhor representaram uma parcela impagável de tudo aquilo que tinha feito pela nossa família.
Nós te amaremos para sempre, pai. Sei que não podes mais ouvir estas palavras, ainda assim as dizemos. Obrigada por ser quem foi e é, permanecendo vivo em nossos corações.