Tem sempre alguém zoando o Rubinho
O que estaria por trás da mentalidade de quem
não respeita aqueles que não são campeões
(Texto de setembro de 2013)
Neste fim de semana, Rubens Barrichello viveu dias como o que estava acostumado em seu tempo de Fórmula-1. Conseguiu, de forma surpreendente, sua primeira pole position na Stock Car, no sábado, e, na corrida realizada domingo, Rubinho teve um pneu furado e terminou nas últimas posições, em 26º lugar. Para o público, mais um motivo para zoar o bom e velho Rubinho, quase um personagem cômico dentro do mundo à parte que é o automobilismo. Mas será que isso é justo? Rubens Barrichello merece ser alvo de tantas piadas?
Pode-se dizer que os campões no automobilismo, especialmente os que chegam ao título da Fórmula-1, são como heróis de grandes histórias – se arriscam nas pistas, tomam decisões de vida ou morte, lutam contra oponentes terríveis e domam máquinas muito mais poderosas que qualquer ser humano. Mesmo os campeões cerebrais (como Alain Prost, sempre metódico, ou Emerson Fittipaldi, com sua regularidade), poderiam estar em uma dessas histórias – como Ulisses, na Odisseia.
E há, é claro, os campeões de sorte, que estavam no lugar certo, na hora certa. Damon Hill, Jenson Button, Jacques Villeneuve, e, não me apedrejem, o lendário “leão” Nigel Mansell, se enquadram nessa categoria. Tinham o melhor equipamento e nenhum concorrente à altura em alguma temporada. Acontece.
QUEM PERDE E QUEM GANHA
Noutro dia, recebi um e-mail da assessoria de imprensa da Petrobras dizendo que pilotos patrocinados pela empresa tinham “conquistado o segundo lugar” no Rally dos Sertões. Obviamente, a tentativa do assessor em valorizar o vice-campeonato foi alvo de piadas na redação – afinal, como diria o campeão Nelson Piquet, o vice é apenas o primeiro dos últimos. Ninguém conquista o vice-campeonato – no mundo real, você perde o primeiro lugar para alguém melhor.
Rubens Barrichello sabe o que é vencer – foi campeão da Fórmula Opel (1990) e da Fórmula 3 Inglesa (1991), se qualificando para entrar na categoria mais disputada do automobilismo. Também foi cinco vezes campeão paulista e brasileiro de kart, oito vezes campeão das 500 Milhas da Granja Viana e venceu em 2008 o Desafio das Estrelas de Kart.
Teve 10 vitórias na Fórmula 1, foi o primeiro brasileiro a ser vice-campeão na categoria (em 2002), além daqueles que também chegaram ao título (Fittipaldi, Piquet e Senna), e foi duas vezes 3º colocado. É o piloto com maior número de corridas (326) e alcançou mais de 600 pontos, nas várias temporadas que disputou, mas não alcançou aquilo que calaria os críticos: o título.
Muito das piadas e do folclore que envolvem Rubinho vêm do seu jeito, emotivo e brincalhão, e da tentativa de Galvão Bueno e da Globo em encontrar um ídolo no automobilismo que ocupasse a lacuna deixada com a morte de Ayrton Senna. A aposta não foi ruim, já que Barrichello foi o melhor piloto brasileiro da era pós-Senna (Massa ainda vai ter que comer muito feijão para alcança-lo).
TRAGÉDIAS E COMÉDIAS
Mas, enquanto a história de Ayrton Senna foi como a de uma grande tragédia grega, ou de Shakespeare – um herói que enfrenta desafios, luta com oponentes tão fortes quanto ele e morre quando tentava dominar o monstro, naquele fatídico 1º de maio de 1994 – a trajetória de Rubinho mais parece um filme de Charles Chaplin, como se ele fosse um clown, o personagem Carlitos que imortalizou o ator inglês – azarado, encontrando o lado bom das derrotas, simpático e comovente, um personagem cativante, mas nunca um vencedor.
De todos os pilotos que “batem na trave”, certamente, Rubinho é aquele que rende mais piadas e críticas negativas. Felipe Massa, que foi vice em 2008, perdendo o título no Brasil, na última volta da corrida, nunca teve o mesmo tratamento. Pilotos como o austríaco Gerhard Berger, fiel escudeiro de Ayrton Senna e compatriota do campeão Nikki Lauda, sempre foi bem visto (e nem chegou a ser vice). David Coulthard, vice em 2001, escocês como o campeão Jackie Stewart, também teve a vida bem melhor que o desempenho nas pistas. Alguns brasileiros que tiveram desempenho pífio na Fórmula 1 não viraram alvo de chacota.
Pouca gente lembra, mas Rubens Barrichello poderia ter sido a primeira vítima fatal daquele fim de semana terrível em que Ayrton Senna morreu. Na sexta-feira, Rubinho sofreu um acidente quase idêntico ao que mataria Roland Ratzenberger no treino classificatório de sábado. Teve sorte, saiu vivo, mas não participou da corrida, em que Senna se chocou com o muro na curva Tamburello e morreu. Portanto, Rubinho poderia ser lembrado até hoje como um jovem piloto que morreu em um acidente estúpido. Isso certamente evitaria que Senna corresse naquele fim de semana (o que quase aconteceu com a morte de Ratzenberger).
Rubinho seria um herói, Senna continuaria sendo heroico, como em toda a sua carreira, e eu não estaria aqui escrevendo essas linhas. Mas, da forma como tudo ocorreu, Rubens Barrichello recebeu toda a frustração do povo brasileiro com a morte de Senna e toda a responsabilidade de assumir um legado. Fez o que pôde, e não foi mal. Pelo menos, é a minha opinião.
(Publicada no JORNAL ITABORAÍ em 03/09/2013, como uma edição da coluna LINHA DE CHEGADA. Um ano após a publicação desse texto, Rubinho voltou a conquistar um campeonato, o da Stock Car em 2014. E repetiu o feito em 2022).