Qualquer topada em um móvel oculto
Estava nervosa, extremamente nervosa, a mil. Não parava um instante, e quando se sentava, pensava desenfreadamente nas coisas. O trabalho mental também a cansava, e, ao dormir, sonhava a noite inteira, acordando exausta. Sua rotina era pesada; só trabalhava, trabalhava, e não tinha paciência com as pessoas. Por isso, preferia ficar só, somente ela e Deus, pois Ele não a irritava.
Estava seguindo com a vida, sem sequer ter tempo para descobrir se estava triste ou feliz; apenas existia. Entretanto, em um dia, numa tarde cinza de qualquer lugar do país, tudo mudaria enquanto ela andava por dentro de casa, procurando e procurando, mas sem encontrar. Depois de tanto procurar, concluiu que só sabia que não tinha a menor ideia do que procurava, mesmo assim continuou a busca, e um desespero enorme tomou conta dela. Era uma tarde de sábado; a vida estava ao avesso, o tempo nublado, o apartamento escuro, as roupas bagunçadas, e um silêncio absurdo pairava, o coração parecia mudo.
Correu sem rumo até que, meio que sem querer ou por destino, deu uma topada em um móvel de madeira que estava na sua frente, perto da geladeira, sempre estivera lá, imóvel há mais de anos como qualquer coisa inanimada. Sentiu uma dor aguda, parou, sentou-se, segurando o dedo do pé, apertando, gritando e chorando. Xingava enlouquecidamente, e por fim, desfez-se em lágrimas. A raiva que sentia deixou de ser raiva, e a dor física deixou de ser apenas física.
Naquele momento exato, na hora certa, como se de encontro com aquele móvel, o que lhe despertou foi a verdade. Ela não era feliz; odiava sua vida, seu emprego, sua casa, seu corpo, seu cabelo. Queria ser. Queria crescer. Correu para o quarto e, como num ritual, começou a rasgar cartas, apagar e-mails, desfazer-se de fotos, caixas, bolsas e roupas. Depois, foi para o salão e cortou os cabelos. Saiu à rua e exigiu respeito. Foi viver a vida sem medo.