CHEIO DE DEDOS
09/09/09
(Do livro "UM BAIRRO MELHOR"
Reflexo de uma época computadorizada, um dos males mais comuns nos dias de hoje é a tal da Lesão de Esforço Repetitivo, ou seja, LER.
Minha questão não é, nem poderia ser, Ler ou não Ler.
Meu foco está nos dedos.
Já existe monólogo para as Mãos, mas e os dedos?
Nesta aventura semanal de escrever alguma coisa sobre o bairro, ou simplesmente sobre o cotidiano, também me senti comprometido com uma melhor atenção para os dedos.
Assim, como se fossem notas de 0 a 5, percebi que podia usá-los, individualmente ou em grupo, estáticos ou em movimento, até mesmo negando-os com o punho fechado, para determinar o valor que pessoas e fatos de nossos corridos dias podem merecer.
Lembro que a primeira vez que escrevi nesta série sobre Um Bairro Melhor, fui movido exatamente pelo fato de um dos meus dedos ter sido lesionado na porta sem puxadores da Agencia do Bradesco da Rua General Glicério.
Naquela ocasião percebi que pequenos movimentos, mesmo de pequenos dedos, poderiam ter muito significado, e assim, abandonei minha repentina ira-dor para falar com o gerente para corrigisse aquilo que poderia trazer danos a outros dedos.
Inclusive, mostrei para ele o meu dedo atingido.
Hoje, ciente da importância de mostrar os dedos, sei que não seria aquele dedo que eu gostaria de ter mostrado para ele.
Terminado este preâmbulo, ouso sugerir aos que decidiram LER que pensem na forma como gostariam de usar seus dedos, um a um, dois a dois, em grupo, à espreita ou em passos de valsa, para contemplar da forma como melhor merecerem, entre outros:
As pessoas que passam, e apenas passam
As pessoas que dão Bom Dia
O padeiro que te atende com sorriso
O Guarda Municipal atento ao tempo errado do sinal
O Guarda Municipal que não está nem aí
O Guarda Municipal que está aí, mas só para multar
O motorista que avança sinal de pedestre em frente à escola
As Instituições que promovem movimentos sociais voluntários
Aqueles que plantam Orquídeas nas árvores
Aqueles que limpam os canteiros
Aqueles que sujam os canteiros
Aos que ocupam as Praças promovendo integração
Aos que usam o espaço público em benefício próprio
A quem privatiza espaços públicos
A quem enche seus dias com sons harmônicos
A quem desrespeita seus olhos e ouvidos
A quem não tem saco plástico para sair com o cachorro
Aos que abusam de preços por falta de concorrência
Aos que se obrigam a escrever com LER
Aos que te obrigam a ler o que escrevem
Aos jovens
Aos idosos
Vamos lá, não se acanhem.
Pensem no valor de seus dedos.
Pois hoje estive naquela agência.
Entrei, empurrando a porta com os pés, dedos calçados.
E foi olhando a porta que resolvi escrever.
CHEIA DE DEDOS
Sérgio Castiglione
Médico Pediatra