Limpezas de final de ano
Por algum tempo, bem mais de um ano, limpar meus livros foi uma das minhas maiores distrações nos finais de semana. Gastava tempo, álcool, flanelas e lustra móveis para deixar os quase trezentos exemplares admirável e esteticamente organizados.
Na minha longa fase introspectiva, os livros foram os que mais consumiram minhas horas, e exatamente por isso, eles eram considerados meu hobby.
Confesso que já tive um amor demasiado por esses objetos, o que me impediu, muitas vezes, de doar qualquer um, por pior que fosse. À medida que fui amadurecendo, passei a compreender que o apego às coisas supérfluas, mais conhecidas como terrenas, impede-nos de viver e reparar nas transcendentes.
Por coincidência, exatamente nessa semana, meus familiares resolveram, nessas famosas "limpezas de final de ano" desfazer-se de alguns pertences do meu pai. Nada grandioso, nem de valor sentimental, apenas objetos.
Apesar de eu ser alguém que não tem prazer em acumular cacarecos, senti uma dorzinha em ver ir embora mais um negocinho do Silvinho. Porém, como sigo esperançosa na cotidiana batalha de querer melhorar sempre, entendi que desfazíamos de uma bobagem. Bobagem porque os dias que vivemos, dividimos e aprendemos não ficaram representados em coisas, mas em sentimentos e memórias.
Quando me vejo nessas situações corriqueiras, de algum modo, Deus sempre me faz entender e enxergar as coisas de uma forma diferente. Nesse caso, pude perceber que quando fico mais ligada às matérias e superficialidades, passo despercebida das grandezas que o Divino me oferta. Junto com estes instantâneos despertares, ecoa sempre, uma das últimas frases que meu pai me disse: "eu deveria ter dedicado mais tempo a Deus".
Entendo este dizer, guardado no meu coração, como uma resposta a todas as vezes que me encontro distraída na presença do Pai. Com isso, passa-se um filme na minha cabeça, minha memória refresca e as minhas lutas parecem tão passageiras quanto esses pertences inúteis que vamos acumulando. Ficam por um tempo, mas um dia, certamente se vão. Disso tudo, o que fica, mesmo, são as nossas experiências, nossa biografia e, obviamente, nossa espiritualidade: e desta podemos, sem qualquer medo, nos apegar.