MINHA MÃE

MINHA MÃE MARIA DO CARMO

Todos sentem saudades dos entes queridos que se foram. Não sou diferente, ainda que não costume destilar emoções e tenha um comportamento mais contido. Portanto, não quero deter-me em sentimentos mais ternos, mas acho propício expressar um tipo de sentimento que, algumas vezes, fica apenas implícito nas manifestações que faço. Eu sempre tive muito orgulho de minha mãe. Se tenho queixa por isto ou por aquilo, como todo mundo, e uma vez que ninguém é perfeito, não poderia furtar-me ao registro de minha imensa admiração pela falecida “velha” em todos os sentidos. Suas eventuais falhas foram muito menores do que a virtude que sempre luziu numa quadra histórica de atraso, dificuldades e preconceitos, especialmente quando procriou seus seis filhos - um morreu no mesmo dia em que nasceu, por barbeiragem da enfermeira. Morou eventualmente em grotas, quase na pré-história dos anos 40 e 50, dando respaldo ao pai. Nascida em Portugal, ainda bebê veio para o Brasil. Do seu jeito, com bom astral, soube manter unida a família, com noras, genros, netos, bisnetos e parentes em geral. Administrou com inteligência meu pai, foi companheira fiel e constante; amiga, conselheira sábia e grande estrategista de relações. Tenho orgulho da maneira com que soube se fazer admirada, respeitada e querida por todos, de sua simplicidade cativante, de seu humor e argutas observações. Às vezes, talvez, dura, agiu de acordo com a vida que teve de levar. Não se formou em curso superior, era proveniente de troncos familiares relativamente humildes - ao menos, não aquinhoadas economicamente. Seu pai era imigrante português e, sua mãe, filha de um casal de imigrantes italianos. Lia como poucos, interessava-se por todos os assuntos e era dotada de grande intuição e sensibilidade, condição que a colocava em posição de destaque e influência. Transitava entre menos afortunados e pessoas abonadas com naturalidade, sem preocupação com eventuais diferenças. Era desapegada a bens materiais que não fossem aqueles indispensáveis a uma vida digna. Nunca testemunhei que tivesse manifestado algum preconceito. Espírita, não era fanática ou engajada. Se meu pai teve sucesso no plano médico e político, digamos assim, minha mãe conquistou sucesso na esfera social e familiar, isto que não sabia cozinhar, não dirigia automóvel, nunca trabalhou fora, gostava de dormir até tarde e não era tipo prestativo, distante do modelo da “mama” ou da “nona”. E sempre foi "a supersincera", dizia tudo na lata. Viveu até os 87 anos. Tomava regularmente seu vinho tinto e, até oitenta anos, fumava um ou dois cigarrinhos ao dia. A seu estilo, foi incomparável. Hoje, em 02 de dezembro de 2023, faria 99 anos. Não pretendia viver tanto tempo assim.