Tempo voraz
Guardo uma pequena parcela de gostos peculiares; alguns particulares, tais quais guardam também todos nós. Já escrevi sobre alguns, sendo dois ou três vistos indignados pelos conhecidos.
Notei, depois de observar atentamente à ala referente, que professoras, no geral, sentem prazer em adquirir materiais escolares. O estojo abarrotado de canetas de todas cores e gostos, é o motivo de olhos brilhantes das criancinhas: "tia, posso escrever com sua caneta?". Nada é mais alegre e taxativo do que o uso de uma caneta; além de deixar o caderno "mais bonito" (já que em meio a infindável grafite, um arco-íris dá vida à folha) é a prova de que a criança cresceu - pois usa caneta - e que sua coordenação motora fina está, aparentemente, consolidada.
Em tenra idade, tal qual as crianças de hoje, meu prazer como aluna eram as canetas. Perambular por lojinhas de 1,99 em busca de lápis, cadernos, canetinhas e canetas era meu passeio favorito - devo ter desfalcado meu pobre velho com tanto gasto em material!
Para meu encantamento, um amigo e parceiro de palco do meu pai, tinha uma papelaria. Meu Deus, que sonho! Aos finais de semana, após sairmos da feira ou da casa de nossa avó, meu pai passava no amigo para "bater um papo". A conversa, que não durava menos que uma hora, era cansativa para mim e meu irmão quando a loja estava fechada. Entretanto, quando estava aberta, meu prazer era perceptível: os mesmos olhinhos brilhantes abraçavam os materiais escolares.
Os dias sucederam, e o amor por papelarias continuou tão intacto quanto aquelas memórias; agora, há um motivo a mais: a profissão. Frequentando a mesma papelaria da minha infância, as idas ao estabelecimento não se deram exclusivamente às compras; diversas vezes, os papos continham a saudade dos anos dourados.
Há poucos dias, para meu desalento, e mais ainda dos donos, soube que aquele lugar, que fora o ponto de muitas alegrias e momentos inesquecíveis, encerrou suas atividades. Quão triste fiquei!
Passando hoje pelo local, o aperto no meu coração e as lágrimas escorrendo na face da dona foram incontidos.
Não pude expressar palavras bonitas ou confortáveis, apenas lamentei a despedida no estabelecimento vazio que agora nos parecia imenso demais. O ambiente extenso, mesmo recebendo os raios luminosos do sol vivaz não iluminou o prédio acinzentado cujas portas entreabertas aguardavam os últimos compradores das prateleiras.
Sei que esses episódios fazem parte da vida. E, ainda que saibamos que tudo é efêmero, não há como não se aborrecer quando tais situações se materializam à nossa frente. Os desejos de boas novas e a bênção de Deus para a nova fase, são votos que desejam, eu creio, todos que foram clientes da antiga loja. Sabemos que o tempo passa e as estações da vida mudam, mas as lembranças e bons momentos vividos, permanecerão para sempre.