As demoras da vida
Tenho uma preferência absurda, inegável e, talvez, incorrigível pelo inverno. Pode parecer birra, tantas são as vezes que reclamo; mas o calor, para mim, é motivo de indisposição, falta de apetite, queda de pressão entre outras causas.
Os meses do ano que temos de sol escaldante e temperaturas agressivas são os que mais me incomodam. Não nego a beleza estonteante que pinta admiravelmente a natureza no verão; eu, que tenho azul como cor favorita, fico em deleite com tão belo céu que nos presenteia.
Essa semana, enquanto sofria indignada pelo sol que aquecia a cidade com seus trinta e poucos graus, apossei de tudo que me fosse útil na diminuição do calor. Repentinamente, o céu que exibia seu azulzinho celeste, foi substituído por um acinzentado sutil.
É verdade que os dias mais quentes podem trazer ao final da tarde pancadas de chuva. Eis aqui o temor das gentes: as chuvas fortes, advindas de um quente dia, são as que podem provocar estragos assustadores.
Entretanto, naquela tarde, não fomos recebidos com trovões ou chuviscos: o vento, que soprava animado, provavelmente levou consigo a chuva.
Esse previsível e trivial fenômeno, constantemente por nós visto e vivido, despertou-me para as indagações que incomodam meu eu.
Tabernáculo de carne e humana que sou, as esperas da vida vez em sempre me cutucam. O passar dos anos provoca com dúvidas o coração; sabemos que as demoras tantas vezes nos chateiam, causando aflições sobre um futuro incerto.
No entanto, cientes de que a nossa vida é um amontoado de caos e coincidências, e mesmo que seja a arte do encontro com diversos desencontros, a espera pelo tempo determinado parece-nos tardia, senão demorada demais.
Porém, quando nosso coração acalma, consegue ouvir as batidas delicadas que ressoam a paz necessária. Essa mudança instantânea de previsão do tempo também traz no seu ordinário um conselho: num piscar de olhos, no estalar de dedos, o Divino pode transformar a nossa vida inesperadamente. Especialista em surpreender-nos, Ele revela no cotidiano a bondade e cuidado que tem para conosco; quando nos damos conta de tamanha misericórdia, percebemos que o tempo voraz, que nos parece tão cruel por "atrasar-nos" nas nossas conquistas e sonhos, verdadeiramente é responsável por entregar perfeita e agradavelmente o que tanto esperou o nosso coração.