A xícara de café
Conto vinte e oito anos, gostos peculiares e um histórico abstêmio. "Como assim?", uma vez me disseram; "nunca ficou bêbada? Precisa passar por essa experiência algum dia".
É, parece que a vontade quis crescer, mas antes que ela ganhasse forma ou oportunidade, o bom e velho gosto peculiar bateu na minha portinha. Ora, quem? O famoso café com leite. Pareço quase uma criança.
Troco fácil, fácil uma bebida pelo meu leitinho ou pelos sucos e refrigerantes. Mas acho engraçado que a bebida que eu sempre quis me acostumar foi o tal do café. Ele purinho, pelando, cuja pessoa enche a xicarazinha e toma como se estivesse num mundo mágico.
Se o tomo, assim, sem o meu amável leitinho, uma cefaléia rapidamente se manifesta. Que chato. E eu que acho tão adulto, tão escritor, tão profissional, tão clichê e tão natural o nosso admirável cafezinho.
Várias vezes quis acostumar, mas não aconteceu, mesmo tentando desde a idade permitida. Meu pai adorava. Acordava, tomava café. Almoçava, tomava café. Café da tarde, era só café. Jantava, "me traz um golinho de cafezinho?"
O engraçado foi que certa vez, além de eu já ter uma admiração platônica por café, passei a amar as xícaras. Era um dia comum e num momento - nível médio de estresse - a súbita reclamação ganhou os meus dizeres.
Nem sei ao certo do que reclamava, mas era uma bobagem, às vezes nós reclamamos mais por hábito do que por opção, sendo que podíamos esforçadamente clamar igual ao meu vovozinho: "ah, Senhor, me ajuda!"
Meu pai, velho sábio, escutou minha lamúria e prontamente me disse: "ô, minha filha, você está reclamando disso? Enquanto você reclama, eu só penso que queria conseguir segurar a minha xícara de café". E calou-se, com olhar triste, sem nem imaginar o impacto que causou na minha vida. (Devido a sua doença degenerativa, ele não tinha mais força de segurar uma xícara.)
A partir dali, passei a dar importância até no simples ato de segurar uma mísera xícara. Coisas da vida. Esses gostos peculiares, a coleção de canecas, o hábito de tomar café. Ainda não aprendi a tomar café, mas aprendi a admirar as xícaras. E a ponderar os meus dizeres.