Manaus desgraça, Norte em fumaça

Manaus, cidade no tal pulmão do mundo. Um pulmão doente, cancerígeno e em metástase. Nem precisa abrir as janelas para ver a cidade completamente dominada pela fumaça das queimadas, basta puxar um pouco o ar. A população sufoca, quem sofre com problemas respiratórios experimenta o inferno na terra. A fumaça tóxica invade as casas, os carros, os corpos. Não é possível fugir dela. Estamos presos numa atmosfera corrompida, e esquecidos definhamos dia após dia.

Nas redes sociais sorrisos cínicos de quem finge trabalhar. Somos negligenciados pelo poder público e o Estado foi tomado por uma política de prioridades medíocres. Enquanto o povo adoece, grandes estruturas são construídas. Festas são feitas. Ruas são pintadas, e tratores, e calçadas, o que for possível pintar. A onça-pintada que se cuide.

Agropecuaristas destroem, o fogo é criminoso. A justiça não vem nem da terra e nem dos céus. Não chove. Não chove uma gota de consciência. Há secura nos rios mentais e as figuras rupestres que surgem tem um cifrão pintado com caulim.

O Norte não é mais invisível. Ele está pegando fogo, ele está sufocando, adoecendo, morrendo, apodrecendo, sucumbido numa negligência descabida, perecendo diante de políticas pouco ou nem um pouco funcionais. Todo essa desgraça é assistida. Quando é que a situação entrará nos destaques? Estão esperando as primeiras muitas mortes? Um genocídio só não basta? Mal nos recuperamos da tragédia da Covid-19 e já estamos em outro grave problema de saúde pública.

Quando é que alguma coisa útil será feita? Devemos jogar as esperanças no lixo reciclável? Se jogarmos nos rios, assim como o plástico, talvez volte para nós dentro de algum peixe. Micro esperanças quem sabe.

Se destilarmos o nosso ódio, nossa revolta, conseguiremos algo a mais que um texto no Instagram ou no Xwitter? Até onde chega nossa inércia? Dançamos no deserto da estiagem e nas miragens, nas alucinações de sol forte, sonhamos com saídas, com respostas, com atitudes condizentes com a realidade. Há incoerência em todo lugar. Aqui em Manaus, lá em Israel. A humanidade vem falhando há muitos séculos, mas apenas agora estamos declarando o nosso estado de falência crônica.

O câncer se espalha pelo mundo e por ironia, em breve, viveremos de estoques de oxigênio. E logo mais, sem muita demora, não haverá sequer um de nós para declarar o óbito da nossa espécie. Sonha quem pensa no futuro como um longo caminho pela frente.