Homenagem à vovó

A casa de esquina não é mais a mesma. Mudaram as construções, o campo e as movimentações. Permaneceram poucos - ou só um, não sei ao certo - dos antigos vizinhos.

Os sábados e domingos eram os dias que a visitávamos. Íamos de bicicleta, com o cachorro correndo atrás ou ao lado. Quando o pobrezinho morreu atropelado, chorei dolorosamente; e choraria algumas vezes mais, sem saber. Depois desse episódio, decidimos que não era interessante levarmos os próximos bichinhos juntos, ainda que isto os fizesse felizes.

Tiramos diversas fotos: na frente da casa e ao lado da vó, que estava sempre sentada no velho banquinho de madeira. Com as pernas longas cruzadas, ela roía as unhas como num gesto costumeiro ou talvez de ansiedade: sabia que a qualquer momento chegaríamos. Já era idosa e viúva; mesmo com a enfermidade, não deixava de sorrir serena e repreender quando necessário. "Paz de Deus, vó, a senhora tá bem?". "Amém, graças a Deus, tô bem e vocês?"

Suas plantas, que cresciam linda e vigorosamente, eram cuidadas com o zelo intrínseco da mulher sábia: edificara a casa, o casamento, os filhos e os netos; ainda que tivesse visto crescer e prosperar sua descendência, não poupou os bons cuidados que agora eram exclusivos às flores e gatos.

Mulher de poucas palavras. O café era servido quase sempre com pão caseiro que por ela era feito; até hoje sinto o cheiro, da massa assando, que permanece nas minhas lembranças.

Admirava-a por completo, mas o que em mim ganhou destaque foi sua fidelidade a Deus: as dores e limitações não foram motivos suficientes para que deixasse de ir à igreja. Aos sábados, vestia as roupas distintas e cheirosas para servir ao Senhor. Sentava-se no último banco; ainda que não conseguisse ajoelhar-se, debruçava a cabeça para fazer suas orações.

No dia da sua partida, que repentina chegou, soube através de minha tia que ela limpara a geladeira. O infarto que desligou-a da terra para ligá-la ao céu, foi recebido com a exclamação de "Senhor, tem misericórdia!".

Hoje, 4 de novembro, se aqui estivesse completaria 102 anos. Uma biografia comum, porém admirável, certamente têm suas histórias únicas que perpetuam na memória e corações de quem a conheceu. Minha vozinha, um dia no Céu nos encontraremos; que privilégio o nosso termos tido a senhora como referência de serva, esposa, mãe e avó. Sua vida será sempre admirada e relembrada.

Luciana Arima
Enviado por Luciana Arima em 04/11/2023
Código do texto: T7924474
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