Velhos tempos
Lembro como se fosse hoje. No centro da nossa pacata cidade, na rua comercial principal, ficava localizado o ambiente que seria um dos cenários da minha infância.
A Gráfica Halley, lugar onde meu pai trabalhou por muito mais de trinta anos, hoje está modificada. Não só pelo logradouro, que não é a mais o mesmo, mas também pela organização e produtividade.
Ao adentrar no enorme corredor, ouvia-se o som grave das máquinas que trabalhavam, monitoradas pelo meu pai e pelo Zeti, incansavelmente.
Admirava a destreza do meu velho ao manusear os tipos, peças de chumbo que eram a base da montagem do folheto. Uma longa pinça encontrava nas gavetas as letras necessárias; estas não eram organizadas em ordem alfabética, espantem. Além disso, essa disposição das letras era feita em ordem inversa...nossa, um verdadeiro enigma.
Mestre em montar as estruturas, encantava-me a alegria do Silvinho ao executar os afazeres: acompanhado dos dicionários - que eram um exemplar para cada letra do alfabeto - ele criava, entre piadas, histórias e risadas, notas fiscais, panfletos e comunicados.
Pensei que nunca mais veria aquelas relíquias: as máquinas, os tipos, os cartões, as pinças. Para meu espanto, as reminiscências chegaram a mim em formato de presente.
Quando recebi um pequeno pedacinho do que foi parte da minha história, não contive o sorriso largo e espontâneo que pouco se manifesta.
Tocar cada tipo, analisar cada letrinha e ver e reviver cada lembrança daquela época, foi uma alegria indescritível. Os tímidos agradecimentos, que poderiam ter sido mais intensos, mergulharam nas entrelinhas.
Os velhos tempos, modificados impiedosa e freneticamente pelas tecnologias, ainda que substituídos, jamais serão esquecidos. A grandeza dos detalhes, que nas urgências das circunstâncias tantas vezes passa despercebido, vez em sempre visita-nos para lembrarmos do quão felizes foram e fomos: é o marco e cultivo da nossa biografia.