A vida passa

Na fila das mães preocupadas, dona Tetê deve ter passado pelo menos dez vezes. Qualquer tombinho, galo ou esfolado era motivo de fisionomia inquieta e orações fervorosas.

Por sorte - nossa e dela - fomos crianças tranquilas, tirando os episódios da mão que o Igor queimou quando engatinhava e quando prendeu o pé na porta, fatos que resultaram em membros enfaixados; aqui vocês já podem imaginar quem dos quatro foi o mais levado.

Ainda assim, graças a Deus, não tivemos braços ou pernas quebrados, pontos na testa ou internações frequentes. Apenas soros tomados na veia de vez em quando, febres, gripes e duas pneumonias. Esse medo sistêmico de nossa mãe não permitiu que ganhássemos patins, patinetes, nem aprendêssemos a nadar.

Um episódio bem marcante, foi quando um parque estava na cidade e, como criancinha entusiasmada que eu era, sem temores natos - o que me fez matar uma cobra cega, esguichar a máquina vap no pé pra ver o que acontecia e pular o portãozinho de casa, dentre outros - quis, obviamente, andar no brinquedo mais aventureiro: a montanha-russa.

Mamãe já se preocupou e, mesmo resistente, por fim cedeu (acho que meu pai deve tê-la encorajado), porém com uma condição: meu irmão e minha prima deveriam me espremer a fim de que eu não caísse ou voasse, já que eu era uma menininha bem magrela e todos diziam que qualquer vento forte me levaria longe.

Devo dizer que esse argumento era bem interessante, levando em conta que a minha imaginação fértil me fazia pensar que eu viraria a Wendy do Peter Pan.

Bem, chegando ao parque, eles fizeram conforme mamãe pediu, papai fotografou, curti o brinquedo, voltei sã e salva. A adrenalina foi imediata, passageira e memorável, deixando que hoje, quase vinte e cinco anos depois, ainda relembro o sorriso de quem usufruiu de um brinquedo perigoso.

É, meus caros, a vida passa, tão rápida quanto a voltinha da montanha russa, e igual a ela, também têm seus dias ora lá em cima, ora lá embaixo; todo esse cenário me fez lembrar daquele velho versinho do Guimarães Rosa: o que a vida quer da gente, é coragem.

Luciana Arima
Enviado por Luciana Arima em 21/10/2023
Código do texto: T7913576
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